quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O marketing inconsistente da APREN (1ª parte - passado)


A previsão de cortes nos tão essenciais subsídios para a manutenção da indústria renovável nacional levou a Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) a "encomendar" à consultora Roland Berger Strategy Consultants um estudo subordinado ao tema "Avaliação dos Custos e Benefícios da electricidade de origem renovável". Uma operação de charme que visa manter os portugueses crentes na miragem das energias renováveis baratas.

Fico espantado que a APREN tenha de recorrer a entidades exteriores para realizar este tipo de estudo, ainda por cima um forjado de forma tão grosseira. Mas acredito que as margens de lucro do sector permitam este tipo de luxos.

Os resultados da pesquisa foram divulgados à comunicação social na segunda-feira e disponibilizados no site da APREN ontem. As conclusões são previsíveis e completamente distorcidas. Retirei pedaços e comento-os por baixo:
Em 2010, o valor médio das tarifas da PRE-FER em Portugal situou-se 15% abaixo da média dos países Europeus e a actual FIT aplicada à energia eólica, para os projectos instalados a partir de 2009 (70 €/MWh), apresenta-se igualmente como a mais baixa.
Efectivamente é possível produzir energia eólica a €70/MWh, até menos no futuro graças à descida do preço das turbinas por falta de procura. Mas não é esse o valor que tem sido pago aos produtores. Segundo a ERSE, em 2010 foi paga uma média de €92/MWh e é precisamente este ajuste que se parece anunciar e que está a assustar os associados da APREN.
A evolução dos preços de electricidade em Portugal, que registou uma redução dos preços reais entre 1990 e 2010 colocando assim Portugal abaixo da média da União Europeia, confirma o balanço positivo da política energética nacional na última década.
De facto os governos anteriores conseguiram manter o preço da electricidade portuguesa artificialmente baixa através de IVA reduzido e défice tarifário. Mas isso vai acabar já no dia 1 de Outubro graças à Troika tornando a electricidade portuguesa uma das mais caras na UE27.


Produção em Regime Ordinário 

o valor das licenças de CO2
Defendo que a aproximação entre custos de produção termoeléctrica e renovável deve ser feita por aqui. Pela penalização da poluição dos combustíveis fósseis e não pelo favorecimento das renováveis. Contudo, como se vê pelo gráfico, ainda é uma parcela muito diminuta e com impacte reduzido.
sobrecusto relativo aos contratos de aquisição de energia da PRO já celebrados, denominados CAE (Contratos de Aquisição de Energia) e CMEC (Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual) e que fixam uma remuneração garantida para a PRO.
Se existisse uma lei que só permitisse viajar de autocarro quando os comboios estivessem lotados provavelmente o transporte rodoviário de passageiros desaparecia se não lhe fossem dadas garantias financeiras. O mesmo se passa actualmente na produção eléctrica em Portugal.

Independentemente do custo de produção a geração renovável tem prioridade legal sobre a produção ordinária. Isso faz com que as centrais termoeléctricas em Portugal trabalhem menos e com menos eficiência do que aquela que seria possível num mercado justo. Mas como o país não pode prescindir da fiabilidade da produção termoeléctrica, sob pena de ocorrerem apagões regulares em Portugal, é preciso manter contratos para que as centrais se mantenham operacionais. Sendo assim, a necessidade destes contratos tem origem no excesso de produção renovável intermitente e por isso o sobrecusto dos CAE e CMEC deve ser parcialmente colocado do lado da PRE.


Produção em Regime Especial


o efeito da ordem de mérito, resultante do abaixamento do preço de mercado devido à deslocação da curva de oferta de electricidade no mercado graças à entrada de electricidade PRE-FER
O efeito da ordem de mérito, isto é, a prioridade dada às renováveis no acesso à rede não é de forma alguma um benefício dado pelas energias renováveis. Pelo contrário é um prejuízo resultante de quatro razões essenciais:
  1. Este efeito não é exclusivo das energias renováveis mas é simplesmente a lei da oferta e da procura a funcionar. Qualquer fonte de energia eléctrica que forneça electricidade à rede em excesso faz baixar a curva da oferta. Porém não existe interesse comercial que assim seja pelo que não é praticado deliberadamente.
  2. A produção de energia renovável não obedece a nenhum critério de rentabilidade mas apenas de condições meteorológicas pelo que o abaixamento do preço da electricidade que provoca é involuntário...
  3. ... e danoso dado que uma boa parte dessa redução é lucrada por Espanha. Em rigor quem fica a ganhar é Marrocos e França, os destinos finais do excesso eólico ibérico.
  4. Não interessa a influência que as energias renováveis têm no valor do mercado grossista dado que ele não chega aos consumidores finais. O preço de produção está estabilizado através das tarifas feed-in.


O efeito de mérito é um prejuízo induzido pela distorção inerente à PRE. Por absurdo, se o parque eólico português tende-se para infinito o preço da electricidade tendia para zero. Não é preciso ir tão longe, no mercado nórdico é frequente a Dinamarca ter de pagar à Noruega e à Suécia para estas aceitarem excesso eólico. O efeito de mérito a ser contabilizado no diagrama de custos devia entrar como factor penalizador por aumentar a divergência entre preço grossista e tarifa feef-in. No entanto, creio que deve ser retirado pois este efeito já está reflectido no preço de mercado.

as perdas evitadas na rede de transporte
Não entendo porque é que as renováveis provocam menos perdas na rede, ainda para mais se a produção renovável está mais dispersa. Este sumário é omisso em contas que sustentem a afirmação. Será que obedece à lógica ecotrópica de produzido localmente/consumido localmente?

Foi também acrescentado o custo de back up do sistema, isto é, o custo de potência de reserva para fazer face às flutuações na produção da PRE-FER.
Uma evidência de que Portugal não pode depender de produção renovável e tem de ter potência termoeléctrica de reserva. Potência essa que tem de ser assegurada com contratos CMEC.

Conclusão

Saltam à vista dois grandes factores contributivos para as alegações da APREN de que o impacto da PRE na factura média mensal de um consumidor doméstico corresponde a €1,9 e não a €5,5: os CAE/CMEC e o efeito de mérito. Mas como expliquei é errado incluir estas parcelas nas contas, pelo menos da forma que a Roland Berger faz.

As taxas ambientais, que ainda são baixas para poderem retirar competitividade aos combustíveis fósseis, se forem aumentadas vão indirectamente pesar sobre as renováveis dado que estas precisam de backup termoeléctrico.

Os restantes factores nos diagramas não têm peso apreciável pelo que se pode concluir que a produção renovável não é economicamente competitiva e encarece a factura final dos portugueses.

Se assim não fosse os produtores renováveis seriam os primeiros a prescindir de tarifas feed-in e a APREN não teria necessidade de pedir a realização deste estudo.

Nos próximo dias irei analisar o resto do documento da APREN/Roland Berger.

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