segunda-feira, 25 de julho de 2011

Paradoxo dinamarquês

Esquema de uma central CHP a gás natural
Na integração de energia eólica no fornecimento de electricidade a Dinamarca é recordista mundial pois o vento tem um peso de 20% no seu mix produtor. O resto vem da queima de carvão (50%) e gás natural (20%) em eficientes centrais de cogeração de electricidade e aquecimento (CHP) de grande e média dimensão. Os restantes 10% são provenientes da biomassa, petróleo e queima de lixo. Apesar de se arvorar um exemplo no respeito pelo meio ambiente a Dinamarca depende essencialmente de combustíveis fósseis para a produção de energia eléctrica pelo que é dos países da Europa com maior emissão de GEE por kWh produzido.

Esta poluição não tenderá a ser resolvida tão cedo dado que o país não dispõe de recursos hidroeléctricos e recusa-se, desde 1985, a explorar a energia nuclear. Isto apesar do físico Niels Bohr ser dinamarquês e de a Dinamarca ter tido em funcionamento três reactores nucleares para investigação tal como Portugal tem um em Sacavém. A recusa do nuclear levou a Dinamarca a virar-se para o vento o que não deixa de fazer, à partida, algum sentido. A Dinamarca é dos países no planeta com melhores condições de vento como se pode atestar no mapa abaixo. Desta forma tornou-se numa das nações pioneiras na pesquisa e desenvolvimento de turbinas eólicas e a ter aquela que era, até aos chineses começarem a dominar este mercado, o maior produtor mundial de turbinas eólicas, a Vestas. Neste aspecto, infelizmente, o contraste com o caso português é total. 
Mapa de ventos da Europa (m/s)

A Dinamarca pode ser recordista na produção relativa de energia eólica (6.9 TWh em 2009) mas menos certo é que toda essa energia seja consumida no país. Apesar das excelentes condições de vento de que goza, os parques eólicos dinamarqueses têm uma fraca performance com um factor de utilização médio inferior a ¼. Ainda assim, um estudo da CEPOS defende que, em média, apenas metade da produção eólica dinamarquesa é gasta dentro de fronteiras, o resto é exportado essencialmente para a Noruega e Suécia que dependem em grande parte de centrais hidroéléctricas (Noruega - 99% e Suécia - 45%) e menos para a Alemanha e Holanda. A Dinamarca foi muito feliz em ter vizinhos escandinavos com estas características dado que de outra forma não lhe seria possível ter tanta potência eólica instalada.  Pela sua flexibilidade de arranque/paragem, capacidade de operar a regimes intermédios sem grande perda de eficiência e possibilidade de bombagem com consumo eléctrico, as barragens são a forma mais eficaz de armazenar energia eólica em excesso. É exactamente por esta razão que Portugal decidiu avançar para a construção de novas barragens e reforço de potência de outras. E também a razão, por não dispor dos mesmos meios, que não vejo como a Austrália possa almejar uma percentagem tão elevada de potência renovável.


A Dinamarca já tem uma potência eólica instalada (cerca de 3.500MW) que quase iguala o seu consumo eléctrico de pico invernal (3.800MW) e ultrapassa largamente o vazio de verão (1.700MW). Devido à intermitência da energia eólica e à prioridade que lhe é dada na rede eléctrica (tal como em Portugal) não são poucas as vezes que a Dinamarca tem de exportar excesso de energia eólica. O problema ainda é agravado por a energia eólica ser mais abundante durante a noite (períodos de vazio) em que há menores necessidade de consumo. Ao longo do ano a produção eólica também se intensifica no inverno, quando as centrais termoeléctricas dinamarquesas não podem reduzir o seu funcionamento tanto quanto seria desejável para compensar. Isso acontece porque estão obrigadas a cumprir a sua outra função de fornecimento de vapor para aquecimento das comunidades. Embora seja difícil determinar com exactidão que percentagem da energia eléctrica dinamarquesa exportada vem de que fonte é inegável que é a imprevisibilidade da sua produção que causa a necessidade de enviar excesso além fronteiras. Evidência disso mesmo é a decisão do regulador do mercado eléctrico escandinavo - Nordpool - em baixar, em Outubro de 2009, o preço base da electricidade para -26€/MWh. Ou seja, acontece a Dinamarca ter de pagar aos seus vizinhos para receberem a sua energia eléctrica.

Outro estudo, desta feita realizado pela CEESA, vem contrariar a avaliação da CEPOS e garante que menos de 1% da produção eólica é exportada. Este paper mostra que se a exportação de energia aumenta com o aumento de produção eólica, como a CEPOS demonstra, também acontece com o aumento da produção termoeléctrica. Só que nas páginas 12 e 13 do documento fica claro a diferença de situações. Enquanto que a exportação de energia eólica é imposta, o seu driver é o excesso de oferta, a exportação de energia termoeléctrica tem como driver o preço. O paper mostra duas situações em que as concorrenciais centrais CHP aumentaram deliberadamente a produção para exportarem energia a preços convidativos.

A exportação de energia eólica acarreta um pesado peso económico para os contribuintes dinamarqueses e não apenas por parte dela acontecer em horas de vazio e por isso a preços mais baixos (ou mesmo negativos). A energia eólica dinamarquesa é subsidiada, como em todos os países do mundo, por tarifas feed in que variam entre os €67 e os €81/MWh (semelhante aos €75 a €95 portugueses) quando o preço spot médio do mercado anda pelos €40/MWh. Para além de criar uma distorção no mercado tal significa que a Dinamarca está na prática a financiar a electricidade norueguesa, sueca e alemã. Se economicamente não se entende a vantagem desta aposta, ambientalmente tão pouco uma vez que quase toda a electricidade importada pela Dinamarca vem da Noruega ou Suécia. E a electricidade nestes países têm origem hídrica (Noruega) ou hídrica e nuclear (Suécia), ambas fontes isentas de emissão de GEE.


Estes factos passam ao lado da maior parte dos eleitores dinamarqueses e, aparentemente, também dos decisores. A Dinamarca tem como meta produzir, em 2025, 50% da sua energia através de fontes renováveis (leia-se vento). Este aumento de capacidade virá em grande parte de parques offshore longe da costa uma vez que os dinamarqueses não querem mais turbinas no seu horizonte visual. Novas linhas eléctricas terão de ser construídas. Previsivelmente os custos não estão contabilizados.


Mas a questão de fundo que se coloca é a forma como o país irá absorver e armazenar tanta energia já para não falar de que forma e a que custo a rede irá gerir as variações de carga. É discutível que os países vizinhos tenham capacidade de importação destes 30% de energia eólica suplementares até porque também eles estão a construir parques eólicos e portanto terão de absorver a intermitência da sua própria produção.

A CEESA propõe:
1. Substituição da produção de vapor para aquecimento feita nas centrais termoeléctricas por heat pumps eléctricas que usam a energia eólica excessiva para armazenam vapor para posterior distribuição. Resta saber com que eficiência e custo um sistema destes resultará.
2. Substituição do parque automóvel de combustão interna por eléctricos, uma medida que a Dinamarca está a subsidiar fortemente mas que, tal como em Portugal e no resto do mundo, não tem tido grande adesão dos consumidores.
3. Produção de hidrogénio também é vista como uma possibilidade para armazenar energia eólica excedentária. A maior parte destas soluções carecem de confirmação da viabilidade técnica já para não falar da oportunidade económica.


O caso dinamarquês é exemplificativo dos desafios e custos que a integração de uma grande quantidade de energia eólica acarreta. Não estranha por isso que a electricidade dinamarquesa seja a mais cara do mundo. Portugal devia olhar e reflectir com o exemplo dinamarquês pois ao trilhar um caminho semelhante irá debater-se com os meus entraves e tem ainda a agravante de por ser um país mais pobre e por isso mais susceptível aos danos de uma energia eléctrica cara. Embora as nossas barragens amorteçam alguma exportação nacional a verdade é que já se assiste actualmente à venda de electricidade a Espanha, normalmente em períodos de vazio e baixo valor de mercado, e à importação em alturas de carga e valores elevados.


Extrapolando para a Europa parece-me óbvio que a construção de uma rede eléctrica transeuropeia inteligente poderá integrar melhor o excesso de energia eólica dos países que já a têm (Dinamarca, Espanha, Alemanha ou Portugal) mas de forma alguma deixa a ideia que a Europa no seu conjunto conseguirá, num horizonte próximo, que mais de 20% da electricidade consumida venha de fonte eólica.

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