quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Integração europeia de energia eólica

Consumo de electricidade EU27 (Eurostat)
Analisei recentemente o consumo e produção de eletricidade na Península Ibérica. E rotulei como um case study mundial de integração de eólica em larga escala. Neste faço a extrapolação do exemplo ibérico para a EU27. Para isso socorro-me dos últimos dados do Eurostat

Em 2010 consumiu-se na Península Ibérica 329.977 GWh de electricidade. Na EU27 o consumo foi de 3.115.403 GWh, ou seja, quase dez vezes mais. Naturalmente estamos a falar de outra escala no consumo mas também nos custos e nos desafios técnicos. A produção atingiu 3.115.808 GWh. Desta 54,5% veio de centrais termoeléctricas, 27,6% de centrais nucleares, 12,4% de barragens, 4,6% do vento, 0,7% de painéis solares e 0,2% de unidades geotérmicas. Cerca de 9% da produção andou a migrar mas o saldo final cifrou-se em apenas 2.215 GWh exportados. A bombagem consumiu 42.620 GWh ou 1,4% da produção.

Usando as estatísticas 2010 da European Wind Energy Association (EWEA) a potência instalada de eólica média na EU27 no ano passado foi de 79,631 GW dos quais 2,948 GW (3,7%) de turbinas offshore. De acordo com o Eurostat, toda esta capacidade produziu 143.638 GWh, ou seja, tiveram um factor de capacidade de 20%, bastante abaixo daquilo que se obteve na Península Ibérica. Naturalmente o documento da EWEA não menciona este importante valor. Na verdade, e como é tradição da EWEA, prefere-se comparar valores de capacidade instalada e não de energia gerada. A tentativa de cobrir a realidade vai ao ponto de que, quando se refere à produção eólica em 2010 na EU27, o relatório da EWEA menciona "the wind capacity installed by the end of 2010 would in a normal year produce 181 TWh of electricity".
Mix produtivo EU27 (Eurostat)

Na reflexão que fiz sobre o sector eléctrico dinamarquês terminei o texto a admitir que não mais de 20% da electricidade consumida na Europa poderá ter origem em turbinas eólicas. No entanto como se trata da extrapolação do caso ibérico e aí admiti 25% de integração vou fazer o mesmo exercício para a EU27. Com 25% de eólica mais 13% de hidroelétrica já existentes a Europa conseguiria atingir num, cenário destes, 38% de contributo renovável para a sua geração eléctrica o que seria assinalável. Contudo o aumento da produção eólica tem de ser acompanhado por aumento de bombagem nas barragens pelo que aumentar 20% de geração eólica na EU27 incrementa o contributo hidroeléctrico.

No caso ibérico admiti que ao subir-se para 25% de contributo eólico para o mix produtivo só metade dela era imediatamente consumida. Tenho pena de não ter dados concretos neste aspecto para corroborar a minha suposição e desde já agradeço se alguém me fornecer. Para o caso da Europa comunitária e dado que se trata de uma área maior admito que existe menos correlação de ventos nos vários países o que permitirá consumir de imediato 60% da produção eólica. Admito também que não existirá aumento de procura nos próximos anos ainda que esta estabilidade na procura me pareça muito pouco provável. A intensidade energética das economias mais desenvolvidas da Europa já é muito boa e será impossível obter grandes ganhos de eficiência. Vou também admitir que a existência de 25% de produção eólica numa super rede eléctrica europeia (requisito obrigatório para se atingir esta meta) não trará problemas técnicos ao seu funcionamento ainda que especialistas avisem que com uma integração de eólica nesta proporção é previsível a ocorrência de apagões.

Pode-se questionar porque é que eu apenas estou a admitir no cenário o contributo da energia eólica quando a solar e a geotérmica ainda têm tão pouca expressão. A solar e a geotérmica valem tão pouco do mix europeu porque a primeira não é economicamente rentável e a segunda é tecnicamente inviável.

A energia solar, apesar da sua baixa produtividade, permitiria contrabalançar eficazmente a eólica. Produz mais durante o dia e no Verão ao invés da eólica que gera mais à noite e no Inverno. Porém o custo da solar é cerca de quatro vezes superior ao da eólica e por isso proibitivo em larga escala.

A energia geotérmica só é possível ser industrialmente explorada em locais com actividade geotérmica a pouca profundidade. É esse o caso de “zonas novas” da crosta terrestre como a Islândia, Hawai ou Nova Zelândia. A Europa é, comparativamente, geologicamente mais antiga e tem uma actividade geotérmica muito mais estabilizada. Embora existam projectos, nomeadamente em França, de exploração geotérmica a grande profundidade ainda não foi conseguida viabilidade técnica.

Outra energia de que se fala, a obtida nas marés, também ainda não conseguiu mostrar capacidade de ser industrializada pelo que não pode ser considerada. A menos que existam surpresas, num futuro próximo, perseguir maior integração de energia renováveis no sector eléctrico significa eólica + hidro.

Se dos 3.115.808 GWh produzidos em 2010 na EU27, um quarto viessem de turbinas eólicas seria preciso, com um factor de capacidade de 25%, uma potência instalada de 360 GW, ou 435% da existente actualmente. Embora uma parte desta potência fosse instalada no mar, caso estivesse montada em terra, ocuparia 33.356 km2 ou cerca de um terço da superfície de Portugal (92.000 km2). Para obter este resultado usei uma densidade produtiva de 2,7 W/m2.

Produção eléctrica por fonte dos vários países europeus (Eurostat)
Se dos 788.952 GWh produzidos pelas turbinas 40% tivessem de ser armazenados a capacidade de bombagem europeia teria de aumentar 640% para 315.580 GWh (não conto com contributo dos carros eléctricos para esta armazenagem pois não se antevê massificação da sua venda na próxima década). Com uma eficiência de 0,75 na bombagem, 78.815 GWh seriam desperdiçados, ou seja, 10% de toda a geração eólica seria perdida. Fazendo outra comparação, toda a energia eléctrica produzida por Portugal em 16 meses seria deitada fora. Se toda a água bombada fosse turbinada para geração o peso hidroeléctrico no mix subia para 21%. O contributo renovável para a geração eléctrica europeia seria de 46%, mais 8% do que contabilizei no começo do post.

Muitos problemas práticos se colocariam num cenário destes a começar pela hipótese de a Europa não ter recursos hídricos para realizar tanta bombagem ou a exigência de se criar um mercado europeu de electricidade gerido centralmente. Outro que ocorre é a resistência dos europeus à construção das inúmeras linhas de alta tensão para canalizar a energia eólica para as barragens. Os recursos eólicos e hídricos europeus não estão uniformemente distribuídos pelo que alguns países (Reino Unido, Holanda, Dinamarca) seriam os fornecedores e outros (Áustria, Suécia e até Portugal) seriam os armazéns. A Noruega, com a sua elevada capacidade hídrica e eólica teria, forçosamente, de entrar neste mercado para o viabilizar. Os austríacos têm uma atitude NIMBY particularmente vincada pelo que a construção desta rede europeia de linhas de alta tensão teria muita contestação pública. O mercado teria de ser regulado centralmente e teria de haver compensações entre países. De outra forma os países fornecedores teriam preços de electricidade verdadeiramente proibitivos por financiarem a electricidade barata de países armazenadores.

Se o excesso de produção eólica fosse inteiramente exportado daria para cobrir o consumo anual da Turquia (200.000 GWh/ano) e do Egipto (109.000 GWh/ano) juntos. Naturalmente tal seria impossível dado que este abastecimento de electricidade não seria constante nem daria resposta à variação de procura destes países. A exportação também obrigaria, naturalmente, à construção de linhas de alta tensão até às fronteiras.

Em qualquer um dos cenários Portugal seria um dos países menos castigados. Produz eólica mas também consegue armazenar. Mas acima de tudo, como não é porta de exportação, as auto-estradas europeias de electricidade não passariam pelo nosso país.

Ainda que este post não desenvolva exaustivamente o cenário de 25% de eólica na geração eléctrica na EU27, fica uma ideia dos desafios técnicos (instalar turbinas, reforçar bombagem, criar uma super rede europeia de alta tensão), constrangimentos políticos (centralizar a gestão da produção e comercialização de electricidade) e sociais (resistência NIMBY). Não contabilizei custos, talvez o faça noutro post, mas é fácil antever que seriam enormes e, seguramente, um dos maiores entraves a esta solução.

Antevejo três possíveis desenvolvimentos para o sector eléctrico na EU27:

1.   Continuação da expansão eólica
Acreditando que os desafios técnicos são ultrapassados, que existe financiamento, que os europeus aceitam o impacto visual e ambiental de mais turbinas, barragens e postes de elevada tensão, a Europa consegue reduzir o impacto ambiental da sua geração eléctrica. Mas à custa de perda de competitividade económica face a uma Ásia que vai apostar fundamentalmente em combustíveis fósseis e nuclear.

2.   Solução mista termoeléctrica-eólica
Falha pelo menos um dos pressupostos (técnico, financeiro, político-social). Aumenta-se a integração de eólica mas sem que esta faça parte do fornecimento de electricidade de base que continua a ser garantida pelas centrais termoeléctricas. As metas ambientais não são atingidas mas também não há tanta degradação da competitividade exportadora dos países comunitários, uma vez que não se prevê subida acentuada do preço dos combustíveis fósseis na próxima década. Ao dia de hoje este parece-me ser o cenário mais plausível de acontecer.

3.   Aceitação da solução nuclear
A integração eólica não ultrapassa os actuais 5% do mix. A Europa aceita que a energia nuclear é a forma mais barata e eficaz de descarbonizar a sua economia. O impacto visual também é muito menor do que na solução renovável pelo que a aversão NIMBY é capaz de não ser maior nesta solução maioritariamente nuclear. Não é precisa tanta centralização do mercado nem exportação de electricidade dado que o controlo da produção pode ser mais facilmente feito nos países ou regiões.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A demagogia eólica II

Turbina VAWT
Informa-nos o Movimento Milénio que duas empresas americanas (General Electric e Urban Green Energy) se juntaram para desenvolver a Sanya Skypump. Trata-se de uma turbina eólica VAWT caseira capaz de gerar electricidade suficiente para fazer carregamentos rápidos e eficientes de carros eléctricos. Pura demagogia como se analisa facilmente.

De acordo com o fabricante, a Sanya Skypump tem uma potência de 4 kW, ou seja, é capaz de gerar, em média, 24 kWh de electricidade por dia (factor de capacidade de 0,25). Se gerasse esta electricidade de forma constante (o que é impossível dada a variabilidade do vento) levaria 24h para carregar as baterias de um Nissan Leaf que têm precisamente a capacidade de 24 kWh.

A demagogia eólica


Custo produção electricidade chinesa por fonte
 Um leitor deixou-me o link para esta notícia em resposta a este meu post sobre a radioactividade libertada em Fukushima.

A notícia é um exemplo clássico da demagogia em redor da indústria eólica. Anuncia o título que a China atingiu em 2010 os 44.733 MW de potência eólica instalada. O corpo da notícia reforça afirmando que a China se tornou no primeiro produtor mundial de electricidade a partir do vento. A notícia não acrescenta é que a China está a ultrapassar os EUA como maior produtor mundial de electricidade independentemente da fonte. Ou que o vento não vale nem 1% da produção eléctrica do país mais populoso do mundo.

Previsivelmente, os dados sobre a produção eólica ficam-se pela potência instalada, pois é a única estatística em que a eólica fica bem na figura. A comparação com uma central nuclear francesa é caricata. A mais potente central nuclear francesa não tem apenas 540 MW como afirma o artigo. A título de exemplo, Civaux tem dois reactores com uma potência combinada de 3.122 MW que produzem anualmente 21.458 GWh. Se o parque eólico chinês de 44.733 MW estiver na média mundial da indústria (factor de capacidade de 25%) produz anualmente 97.965 GWh. Ou seja, apesar de a potência instalada ser 14 vezes superior a produção eléctrica é apenas o quadruplo.

A notícia não menciona que 90% do parque eólico chinês se candidatou a ser financiado externamente através do Clean Development Mechanism (CDM). Financiamento que serve o propósito de permitir aos países desenvolvidos ocidentais continuarem a poluir, nomeadamente em centrais termoeléctricas. A notícia não desenvolve que quando os países mais ricos do mundo começaram a por travão a essa colossal transferência de dinheiro o entusiasmo chinês pelas energias renováveis esmoreceu. É compreensível, sem o investimento externo nas renováveis a China fica face à evidência que a produção eólica e solar não é competitiva. A China, ao contrário de alguns países europeus, não embarca no sonho utópico da sustentabilidade energética através de fontes renováveis.

Vou analisar brevemente o sector eléctrico chinês como já fiz para o dinamarquês, australiano e ibérico.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Os números do Programa Nacional de Barragens

Antevisão Foz Tua (EDP)
O Público noticiou na segunda-feira que existe a possibilidade de a UNESCO baixar o grau de património da Humanidade da região ao Alto Douro Vinhateiro em virtude da construção na zona da barragem de Foz Tua. Não estou em posição de avaliar a veracidade deste ameaça mas quero analisar a oportunidade eléctrica da nova barragem. Pelos números de projecto da EDP, a concessionária da barragem, Foz Tua vai custar €300 milhões para produzir 275 GWh de energia eléctrica líquida (explicação mais à frente) anualmente. Ou seja, trabalhará com uma potência média de 31,39 MW.

A central a gás natural do Ribatejo que é uma Combined Cycle Gas Turbine (CCGT) com uma potência instalada de 1.200 MW (divida por 3 grupos) tem capacidade para gerar 9.000 GWh/ano. Caso lhe fosse permitido trabalhar à potência nominal e não a fazer ciclos para compensar eólica, como acontece actualmente, igualaria a produção anual de Foz Tua em apenas 11 dias. O custo estimado de construção da central foi de €600 milhões há cerca de 10 anos atrás. Naturalmente é necessário acrescentar o custo do gás na equação.

Um reactor nuclear Areva EPR de 1.650 MW produz, com um factor de capacidade de 85%, os mesmos 275 GWh de Foz Tua em 8 dias. Num ano produz 12.286 GWh. A disparidade é enorme.

Plano Nacional de Barragens
Mais interessante e útil é ver o filme completo. A barragem de Foz Tua faz parte do Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH) que é um programa de construção de barragens que vai dotar o país de novos equipamentos hidroeléctricos, uma parte deles reversíveis (com capacidade de bombagem). Em boa verdade, o intuito principal do plano é armazenar energia eólica de modo a permitir a continuação da instalação de potência no país.

CCGT do Ribatejo (3 x 400 MW)
De acordo com a EDP, quando estas novas barragens estiverem concluídas em 2018 todo o conjunto de barragens do país vai produzir 17.900 GWh/ano brutos. Mas energia bruta é energia resultante da turbinagem de água "nova" e água bombada. A energia líquida (livre de bombagem) vai ser de apenas 13.300 GWh/ano. Isto significa que a bombagem vai recolocar nas albufeiras um potencial de 4.600 GWh/ano, isto é, uma potência média de 525 MW. Porém, como a bombagem tem um rendimento de 0,75, para repor este potencial hidroeléctrico a bombagem vai consumir uma potência média 700MW de energia eólica. No processo vão perder-se 700-525 = 175 MW.

Em relação à produção nacional
A potência média líquida das barragens constantes no PNBEPH é inferior a 200 MW como soma aqui o Prof. Pinto de Sá. Este valor representa 3,3% das necessidades actuais (5.930 MW).

Tendo em conta a bombagem
Essa potência vai igualmente ser pouco superior ao consumo médio na bombagem. Efectivamente, a quantidade de energia eléctrica que as novas barragens vão fornecer depois de descontar o propósito da sua existência (armazenar energia eólica) é praticamente nula (200 - 175 = 25 MW em valores de potência).

Em relação a uma central nuclear
O segundo reactor Areva EPR a ser construído no mundo está a ser instalado na central francesa de Flamanville (o primeiro é na Finlândia). O custo estimado em 2005 foi de €3,3 mil milhões mas dificuldades na construção já colocaram o preço da obra em €6 mil milhões. De acordo com a Brave New Climate a construção de um reactor de nova tecnologia ou a construção de uma central nuclear num país sem know-how na tecnologia implica um agravamento dos custos de 50%. É de esperar que os futuros reactores Areva EPR sejam instalados por cerca de €4 mil milhões. No entanto, se acontecesse em Portugal, e uma vez que nunca tivémos uma unidade do género, é prudente admitir que a construção de uma central nuclear de 1.650 MW viesse a custar €7 mil milhõesO PNBEPH vai custar cerca de €5 mil milhões.

O PNBEPH vai dotar o país de uma potência hidroeléctrica que é cerca de 14,2% da potência média (1.400MW) de um reactor nuclear de 1.650MW. A potência média das novas barragens vai ser uma fracção de uma central nuclear por um preço não muito inferior.

A comparação acaba por não poder sair do plano teórico dado que Portugal não tem potencial hidroeléctrico inexplorado para igualar os 12.286 GWh/ano de um reactor Areva EPR.

Conclusão

Flamanville 3 (2º reactor Areva EPR)
O PNBEPH foi criado para dar corpo à expansão da energia eólica em Portugal. Quando estiver concluído o país vai ter uma capacidade anual de consumo em bombagem de 6.100 GWh (potência de 700MW) o que é mais do dobro da necessidade de armazenagem nacional (2,7 GWh) que admiti no cenário de 25% de eólica na Península Ibérica. Porém, o meu cenário fica aquém dos objectivos do país e talvez por isso este aparente sobredimensionamento. Esta bombagem será economicamente lesiva para os consumidores e contribuintes portugueses pois as barragens vão consumir em alturas de excesso de oferta (preços baixo) e turbinar em períodos de falta (preços altos). O restante terá de ser consumido por carros eléctricos ou exportado com desconto de preço evidentemente. As barragens sem bombagem a construir só servirão, praticamente, para compensar o desperdício na bombagem das que estiverem equipadas com turbinas reversíveis.

Se se tivesse optado na altura, por construir uma central nuclear de 1.650 MW em vez do PNBEPH, o país chegaria a 2018 com uma capacidade de geração eléctrica, relativamente ao consumo 2010, aumentada em 23% e não 3,3%. E não haveria desperdícios porque não há bombagem em centrais nucleares. Também não seria necessária porque se podia prescindir das turbinas eólicas que estão a mais. Ou acabar com a produção eléctrica a carvão. A independência energética era a mesma pois Portugal tem urânio (ainda que enriquecimento tivesse de ser feito no estrangeiro, provavelmente França). O impacto ambiental, social e turístico era menor porque não se ia construir a central em paisagem classificada.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Desmontagem da propaganda renovável

O aparecimento de opiniões sérias e reflectidas sobre as energias renováveis na imprensa portuguesa é refrescante e fundamental. A propaganda demagógica e mentirosa da pensamento pró-renovável português precisa de ser questionado. O jornal de negócios publicou este artigo de opinião de um investigador alemão a rebater a proposta do Ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, de a Grécia apostar nas energias renováveis para dar o pontapé de saída para a sua recuperação.

É verdade que a Grécia, cuja geração eléctrica assenta quase exclusivamente em centrais termoeléctricas a carvão (60%), gás natural (20%) e, nas ilhas, petróleo (8%), terá de solucionar a prazo este desastre ambiental. No blog "a ciência não é neutra" existe informação mais completa sobre a Grécia nesta matéria.

Do que a Grécia menos precisa é do nascimento de mais indústrias subsidiadas pelo estado como é o caso das energias renováveis. Ainda para mais a caríssima energia solar, como sugere Wolfgang Schäuble. A exploração de energia solar na Grécia é possível mas nunca em larga escala devido aos impactos económicos e aos constrangimentos técnicos bem abordados por Zachmann no seu artigo.

Discriminação positiva dos carros eléctricos

Posto Mobi.E do Pavilhão Atlântico
Como defendi aqui, por questões ambientais, a erradicação do carvão como fonte de energia eléctrica, ao invés da promoção das energias renováveis, devia ser o principal objectivo do sector eléctrico mundial. Esse objectivo seria conseguido se se taxasse as emissões das centrais termoeléctricas a ponto de estas não se tornarem competitivas. Mas isso não acontece. Nem mesmo o pioneiro European Trading Scheme (ETS) por mais voluntarioso que seja vai conseguir. O ETS não só vive de estimativas de emissão de gases como permite o comércio de créditos de carbono. A geração eléctrica a carvão pode-se permitir adquirir direitos para poluir e mesmo assim fornecer electricidade a preço concorrencial. As centrais a carvão deviam pagar taxas proporcionais aos custos ambientais que provocam sem hipóteses de aquisição de mais crédito poluidor. Nem possibilidade de investirem em compensações internacionais. Caso contrário a, natural e correcta, lógica económica vai continuar a garantir às centrais termoeléctricas a carvão uma parte importante da geração de electricidade de base do planeta.

Portugal é só mais um caso desta exemplar manipulação de competitividade económica das várias fontes de energia eléctrica para impor as turbinas eólicas e os painéis solares à custa de tarifas feed-in. Como não há perspectivas de o carvão e o gás natural atingirem preços que desaconselhem o seu uso continuaremos a depender de combustíveis fósseis para a geração eléctrica de base durante mais anos.

O sector dos transportes está a passar pelo mesmo fenómeno desvirtuador. Embora os veículos de combustão interna sejam taxados de acordo com a sua emissão de gases e a gasolina e o gasóleo também sejam alvo de impostos muito elevados, ainda assim não é suficiente para criar alternativa. O facto é que o uso de veículos de combustão interna ainda é a forma mais económica de transporte individual. Esta evidência só se alterará de forma saudável com o aparecimento de novas e radicais tecnologias em simultâneo com o agravamento da carga fiscal sobre a utilização de carro de combustão interna.

Só que os países que subverteram o sector eléctrico com as tarifas feed-in não podem esperar por novas e radicais soluções uma vez que é preciso dar vazão ao excesso de produção eólica que já têm neste momento. Para acelerar este processo decidiram também desvirtuar o sector automóvel dando elevados incentivos à aquisição e utilização de carros eléctricos. Os carros eléctricos não são novidade, já existem há mais de 100 anos, e praticamente desapareceram com o surgimento dos carros de combustão interna. Vários países, entre os quais Portugal, querem modificar esta evidência e criaram um massivo pacote de ajuda à utilização de carros eléctricos. Está em marcha outro elefante branco que ainda não tem expressão porque a gritante diferença de competitividade entre carros convencionais e eléctricos não convence mais do que uns pouco utilizadores.

Esta discriminação entre diferentes tipos de motores atinge situações de verdadeiro racismo automóvel. Os postos de carregamento urbanos são um bom exemplo. Os donos dos eléctricos têm à sua disposição pontos de carregamento em locais privilegiados que não deviam servir para reabastecimento automóvel de nenhum tipo. Zonas com escassez de estacionamento e/ou existência de parquímetros. Os utilizadores de carros convencionais têm de pagar pelo privilégio desse espaço e só o podem fazer por tempo limitado. Ao invés, os donos dos eléctricos não pagam por lugares bem situados enquanto fazem demorados carregamentos. Que os carros convencionais sejam penalizados com impostos ambientais e combustíveis bastante taxados concordo. Que os carros eléctricos sejam subsidiados com dinheiro público e ainda por cima tenham lugares de estacionamento gratuitos e reservados é um ultraje. 

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Onde estão os empregos verdes?

O blog Cachimbo de Magritte postou há dois dias sobre a descoberta que os americanos começam a fazer sobre o fiasco que tem sido a criação de empregos no sector das energias renováveis. A economia verde foi um dos cavalos de batalha da actual Administração Obama. Provavelmente influenciado pela propaganda renovável do Velho Continente o Presidente Americano decidiu atribuir incentivos a todos os players do sector renovável americano. A indústria de fabrico solar e eólica recebeu os famosos stimulus packages e a produção renovável é alimentada por feed-in tariffs. Houve ainda intenção de anular a vantagem económica da produção eléctrica  termoeléctrica com a introdução de um sistema cap and trade semelhante ao European Trading Scheme (ETS) mas nunca viu a luz do dia. O plano soa familiar? Os resultados também são. O plano previa a criação de 5 milhões de empregos em 10 anos mas hoje é unânime que é um rotundo insucesso como escreve aqui o New York Times.

Os americanos estão a aperceber-se que a vontade política e a modelação forçada do mercado por meio de subsídios pode funcionar durante algum tempo mas não todo o tempo. A criação de empregos duradouros é guiada pela competitividade das empresas, pela robustez dos modelos de negócio e a viabilidade das tecnologias, não por directiva administrativa central.

O problema está a ser agravado por cada vez mais os chineses estarem tomar conta, graças à sua mão-de-obra barata e à favorável paridade do Yuan, da produção mundial de turbinas eólicas e painéis solares. Os painéis fotovoltaicos, pelas suas dimensões, são particularmente fáceis de exportar pelo que a indústria americana está a sofrer um rombo enorme com a concorrência chinesa.

Produção electricidade por fonte EUA
Felizmente para os americanos só 4% da sua electricidade é gerada por energias renováveis (excluindo a hidroeléctrica). Nos países europeus onde essa parcela supera os 10% as renováveis não falham na criação de emprego, as renováveis estão as destruir empregos.

Na Dinamarca o importante sector eólico recebe subsídios à investigação e naturalmente à produção eléctrica a qual é em grande parte exportada com grande desconto no preço. Um estudo concluiu (Part 2) que os empregos criados pelo sector eólico não têm sido substancialmente diferentes do resto da actividade económica, apesar dos enormes incentivos que o sector goza na Dinamarca. Por a energia eólica ter sido uma aposta forte desde os anos 80 a Dinamarca exporta turbinas e serviços relacionados. Dificilmente nos EUA se consegue replicar a mesma proporção de exportação não só pela diferença de escala das duas economias mas também pela concorrência chinesa que referi acima. 

Um estudo espanhol, que estabelece paralelismos entre a experiência no país vizinho e as aspirações da Administração Obama, concluiu que, por via da forte subsidiação, por cada emprego verde criado no país 2,2 empregos na restante economia foram destruídos. E determinou ainda que por cada MW renovável instalado, em média, 5,28 empregos desapareceram.

Outro estudo, desta vez realizado na Alemanha, afirma no sumário que no longo prazo a energia renovável tende a destruir empregos "Second, numerous empirical studies have consistently shown the net employment balance to be zero or even negative in the long run, a consequence of the high opportunity cost of supporting renewable energy technologies". Logo a seguir reforça "Indeed, it is most likely that whatever jobs are created by renewable energy promotion would vanish as soon as government support is terminated, leaving only Germany’s export sector to benefit from the possible continuation of renewables support in other countries such as the US". Ou seja, tal como já tenho referido neste blog, por exemplo aqui, as energias renováveis não são competitivas e só existirão enquanto se mantiverem os incentivos à sua produção. Quando estes terminarem países com indústria produtora de turbinas como a Dinamarca, Espanha ou Alemanha ainda poderão continuar a exportar para países que mantenham tarifas feed-in para as renováveis. O solar já foi tomado pelos chineses em definitivo.

Portugal é uma excepção mundial pois não soube desenvolver uma indústria de turbinas antes de as começar a plantar pelo país como detalha aqui o Prof. Pinto de Sá. E segundo sei não existe nenhum estudo credível sobre o impacto no emprego da aposta nacional nas renováveis. A crença nacional tem sido idêntica à da Administração Obama, que por decisão política se pode criar as condições para a sustentabilidade das fontes renováveis de electricidade. A Associação de Energias Renováveis (APREN) é um dos bons exemplos deste pensamento sonhador e completamente alheado da realidade. Num estudo efectuado em colaboração com a Delloite a APREN acredita que até 2015 o sector renovável gere 60.000 empregos em Portugal (ver conclusões). Felizmente a troika está a colocar ordem e seriedade no sector e a médio prazo os portugueses vão sentir na carteira a miragem das renováveis.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Autocarros eléctricos no Grande Porto

Trolley Bus na Suiça
A página da Mobi.e é fértil a criar um enredo caricato para as notícias que publica. Há três semanas comentei esta e hoje abordo esta notícia do Jornal de Notícias sobre a sugestão de Luís Filipe Menezes relativamente a transporte eléctrico na região do Grande Porto. O autarca sugeriu que se voltasse a usar autocarros eléctricos em corredores especiais com catenária e pantógrafo para consumo eléctrico imediato, ou seja, trolley bus. A sugestão faz todo o sentido dado que a criação de uma rede de trolley bus é menos dispendiosa do que o metro de superfície. A ideia nem é inteiramente original dado que o Porto teve grande tradição na utilização de trolley bus até 2000.

Como afirmei neste post os trolley bus são uma solução eficaz e importante para electrificar a mobilidade urbana e reduzir a importação de petróleo. A página da Mobi.e relata aqui a declaração de Filipe Menezes mas não deixa de referir no texto que está prestes a arrancar a "experiência piloto com o autocarro eléctrico, produzido pelo consórcio constituído pela Salvador Caetano, a Efacec e o INEGI".

Caetano bus 100% eléctrico
O autocarro eléctrico da Salvador Caetano não é um trolley bus mas um autocarro eléctrico com baterias chinesas que a própia empresa nortenha afirma vir a custar €500.000 cada unidade. Acreditando na autonomia esperada de 100km e sabendo que um autocarro urbano faz médias de 10 km/h fica claro que cada unidade não vai operar mais de 10 horas por dia. Isso faz com que uma frota de autocarros eléctricos tenha de ser forçosamente maior do que a equivalente a diesel ou gás natural para garantir o mesmo serviço. Dado que as empresas portuguesas de transporte urbano de passageiros estão falidas não restam grandes dúvidas que a criação de uma frota de autocarros eléctricos Caetano Bus teria de ser subsidiada com dinheiros públicos. E todos os sete anos que é o tempo médio de vida das baterias de lítio que este autocarro vai usar.

domingo, 21 de agosto de 2011

Pequenas notas sobre combustível nuclear

A confusão e demagogia que existe entre energia nuclear civil e armas nucleares militares é tão grande que me parece ser interessante fazer um resumo dos combustíveis usados nas centrais nucleares. O Urânio (símbolo U) aparece na natureza com uma proporção de 99,3% de isótopo U-238 e 0,7% de isótopo U-235. Porém, só o isótopo U-235 é cindível e como tal o urânio natural não tem a configuração para gerar energia eléctrica. Para isso o urânio necessita ser enriquecido.
 
Low Enriched Uranium (LEU)
É o combustível usado na maioria das centrais nucleares e é constituído por cerca de 96% de isótopo U-238 e 4% de U-235 depois de enriquecido moderadamente daí o seu nome Low Enriched Uranium (LEU). A reacção em cadeia de fissão nuclear que se dá num reactor nuclear consome apenas 5% do combustível introduzido até o fazer regressar a um estado de empobrecimento, ou Depleted Uranium (DU). Estes 95% de urânio empobrecido sobrante, apelidado normalmente de lixo nuclear, é 95% U-238, 1% U-235, 1% plutónio e 3% de outros produtos da fissão. Apesar de quase todo o combustível introduzido nas actuais centrais nucleares não ser consumido os resíduos resultantes são muito menores do que numa central termoelétrica a carvão graças à densidade energética do urânio para fissão. Quase todo o resíduo nuclear criado no planeta está armazenado e servirá de combustível aos reactores de quarta geração.

A concentração do urânio fissível U-235 no típico LEU não é suficiente para provocar uma reacção tão rápida que provoque uma explosão. Por isso não é possível um reactor provocar uma explosão nuclear. Nem é concebível que um bando de terroristas possa criar uma bomba nuclear roubando material de uma central nuclear. As bombas nucleares precisam de concentrações de isótopos fissíveis plutónio 239, urânio 233 ou 235 muito mais elevadas na ordem dos 80 a 90%.

Mixed Oxide Fuel (MOX)
Este combustível resulta do reprocessamento e mistura de diferentes óxidos ou isótopos fissíveis para criar combustível nuclear, daí o seu nome Mixed Oxide Fuel ou MOX. Tipicamente o MOX mistura Plutónio (símbolo Pu) com urânio natural ou urânio empobrecido reutilizado numa proporção de 7% de plutónio e 93% de urânio, ou seja, sensivelmente a mesma proporção fissível/não fissível do LEU. O MOX tem a vantagem adicional de reconverter plutónio de armamento nuclear desactivado que de outra forma teria de ser armazenado. Apesar de o MOX ter um comportamento semelhante ao LEU a maior parte das centrais nucleares existentes não foram projectadas para usar MOX pelo que industrialmente não se ultrapassa a proporção de 1/3 de MOX para 2/3 de LEU nos reactores. Para se aumentar essa percentagem as centrais têm de sofrer uma revisão técnica profunda. O MOX "queimado" também não é reciclado. Contudo, O MOX é usado um pouco por todo o mundo e cada vez mais. O combustível do reactor 3 de Fukushima Daiichi era LEU/MOX. Actualmente quase todo o MOX é produzido em França e Inglaterra. Graças ao MOX, em França, 17% do combustível nuclear usado é reciclado.

Tório (símbolo Th)
A Índia, China e Rússia pesquisam a industrialização de Tório como combustível para reactores nucleares. O uso alternativo de tório para obter energia eléctrica tem aspectos técnicos que o tornam interessante em relação ao urânio. Mas acima de tudo comercialmente tem a grande vantagem de ser três a quatro vezes mais abundante na crosta terrestre o que o torna praticamente inesgotável.

Conclusão
Devido à elevada libertação energética da reacção de cisão do urânio num reactor nuclear a quantidade usada de material é bastante mais baixa do que queima de combustíveis fósseis. Contudo, apenas 5% desse material é consumido e o restante armazenado ou reciclado como MOX que tem ainda a vantagem de dar uso ao material proveniente de armamento nuclear. As reservas mundiais de urânio não vão acabar tão cedo e durarão muito mais a partir do momento em que parte das centrais nucleares no mundo passarem a usar tório em vez de urânio. E lixo nuclear de ontem é o combustível das centrais nucleares de amanhã que serão menos exigentes em relação ao enriquecimento do combustível que usam. A reciclagem dos resíduos e o aproveitamento de novo urânio será muito mais elevado o que tornará a energia nuclear sustentável na sua fonte de energia primária, ou dito de outra forma, fará da energia nuclear uma forma de produção eléctrica inesgotável.

Aqui fica uma condensada animação interactiva do ciclo do combustível nuclear feito pelo Nuclear Energy Institute (NEI):
Interactive Graphic: How Nuclear Fuel is Produced, Used and Stored

Em 5 minutos fica-se a saber como é que se processa o ciclo desde a mineração até à armazenamento.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Microgeração é anti-social

Microgeração solar fotovoltaica
Em virtude da escalada do preço da electricidade o anterior governo decidiu criar uma tarifa social de electricidade para aliviar a factura eléctrica de 750 mil famílias portuguesas. Uma medida simbólica que não permite poupar mais do que algumas dezenas de cêntimos por mês na factura mensal de luz. Claro que a factura é tão elevada porque nela está reflectida o devaneio das energias renováveis da última década, os famosos Custos de Interesse Económico Geral (CIEG).

Parte deste CIEG advém dos extraordinários subsídios à microgeração fotovoltaica. Estes incentivos duram 15 anos e estão estabelecidos em €470/MWh para instalações com potência inferior a 5 kW e €355/MWh para equipamentos entre 5 kW e 150 kW, ou seja, cerca de dez vezes o preço médio da electricidade no Mercado Ibérico de Electricidade (MIBEL). E quem beneficia destes incentivos? É o casal de desempregados que vive num T2 R/C em Queluz? Ou são a classe média e alta que vive em vivendas nas periferias das cidades? Se o estado quer, de facto, ajudar os mais carenciados deve acabar com o incentivo à microgeração. Esta nunca produzirá electricidade que dê direito a uma fatia visível no diagrama queijo de produção nem ajudará a aumentar a propalada independência energética. A coexistência de tarifa social de electricidade e subsídios à microgeração é uma hipocrisia que não invalida que haja transferência de dinheiro dos mais pobres para os menos necessitados.

Se os beneficiários de microgeração estão verdadeiramente importados com a sustentabilidade ambiental e a independência energética do país devem vender a vivenda e vir viver para um apartamento (mais eficiente energeticamente) na cidade. Ao mesmo tempo poupam em consumo de combustível ao reduzir o commuting

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Catenária wirelless para auto-estradas

Um grupo de investigadores japoneses está a levar a cabo experiências no sentido de permitir estender a autonomia dos carros puramente eléctricos. E estão a explorar essa ideia criando um sistema wireless de transferência de energia eléctrica entre uma chapa metálica colocada na faixa de rodagem e uma cinta metálica inserida nos pneus do automóvel eléctrico. É o princípio do sistema de catenária e pantógrafo usada no transporte ferroviário mas numa versão mais económica e rápida de instalar.

Não sei se esta solução em concreto terá viabilidade para industrialização mas como defendi aqui é a forma de, realisticamente, promover o uso de automóveis eléctricos fora dos centros urbanos. A instalação de postos Mobi.E em auto-estrada (AE) não faz sentido e será um desperdício de dinheiro garantido. Mais vale gastá-lo a apoiar a investigação de soluções semelhantes a esta japonesa.

Esta solução será particularmente interessante para o transporte rodoviário pesado de mercadorias. O uso de camiões híbridos capazes de consumir electricidade em AE nas ligações internacionais faria baixar o seu impacto ambiental para o nível do comboio. E a vantagem dos camiões sobre o comboio, que é a capacidade de chegar a todo o lado, continuava assegurada pelo motor de combustão nesta solução híbrida.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Japão recupera reactor nuclear

Central nuclear de Tomari (3 reactores)
Foi dada autorização para a ligação à rede do reactor 3 da central nuclear de Tomari na Ilha de Hokkaido a norte do Japão. Fabricado pela Mitsubishi é um dos mais recentes do país tendo entrado ao serviço em Dezembro de 2009. Este é o primeiro dos 35 reactores que têm estado desactivados a realizar stress tests impostos às centrais nucleares japonesas depois do acidente de Fukushima Daiichi. Relembre-se que o Japão tem passado sem 35 dos seus 54 reactores nucleares desde o tsunami de 11 de Março. Apesar da contestação em todo país o governador de Hokkaido deu o aval ao rearranque do reactor. O isolamento da rede de uma parte significativa dos reactores nipónicos tem obrigado o Japão a viver uma situação penosa de falta de fornecimento de energia eléctrica. A supressão da energia eléctrica garantida pelos reactores nucleares, se mantida durante muito tempo,atira o país para uma situação de recessão preocupante.

Península Ibérica case study em consumo eólico

Mix produtivo Espanha continental (REE)
A Dinamarca é considerada um case study mundial de produção de energia eólica depois de nos anos 80 o país ter decidido apostar fortemente nesta fonte de energia eléctrica. Tem, inclusivé, na Vestas um dos maiores produtores de turbinas do mundo. A Dinamarca é a referência mundial na produção mas não tanto no consumo. Como desenvolvi neste post a eólica pode valer 20% do mix produtivo dinamarquês mas não vale 1/5 do consumo. Como a electricidade é um bem que não pode ser embalado e rotulado é sempre discutível e dificilmente aferível a fonte de cada kWh consumido. No entanto, é possível afirmar, com bastante segurança, que no consumo dinamarquês de electricidade a energia eólica não vale mais do que 15%. Isso faz, automaticamente, da Península Ibérica a região do mundo com maior consumo relativo de energia eólica. Isso acontece, quer pela aposta que os dois países ibéricos também fizeram na energia eólica, mas também pelos recursos hídricos da península, os quais nos permitem distanciar da Dinamarca na capacidade reter produção eólica dentro de fronteiras.

Mix produtivo Portugal continental (REN)
A Dinamarca tem das melhores condições de vento do mundo para produção eólica mas más características para gerir o seu consumo. Como as centrais termoeléctricas do país produzem simultaneamente vapor para aquecimento não podem reduzir a produção eléctrica tanto quanto seria desejável. A somar a isso, o país não tem recursos hídricos para armazenar produção eólica excedentária. Ao invés, a Península Ibérica tem ventos medianos para a produção mas as suas centrais termoeléctricas não têm a condicionante da cogeração de calor e a região dispõe de barragens para equipar com bombagem e assim armazenar energia eólica a mais.

Rede eléctrica espanhola (REE)
O caso ibérico é particularmente interessante de se analisar pois é, neste momento, o exemplo de maior escala que existe em consumo eólico no planeta. Para além disso, tecnicamente a Península Ibérica é praticamente uma ilha eléctrica com muito poucas ligações ao exterior. Portugal pode trocar electricidade com Espanha e Espanha tem ainda linhas de troca com França, Marrocos e Andorra. A análise do que se passa na Península Ibérica a este respeito permite avaliar a aplicabilidade de estudos que várias entidades têm lançado sobre a possibilidade de integração no futuro de 50% e mais de energias renováveis no mix energético europeu ou mundial.

Antes de continuar vale a pena reflectir porque é que a Península Ibérica se tornou líder global no consumo relativo de energia eólica. Uma das razões é a característica favorável do seu restante mix produtivo (peso significativo de flexíveis centrais a gás natural e recursos hidroeléctricos). A outra é o facto de o resto do mundo não ter embarcado na utopia eólica e ter sido bastante mais contido a aprovar parques eólicos. Ou seja, não nos devemos congratular com o feito, antes preocupar por não termos visto o que era óbvio para quase todos os países do mundo. Espanha ainda se pode defender com a Gamesa e uma indústria eólica que mitiga parcialmente a destruição de riqueza trazida pelo sourvedouro de subsídios que é a energia eólica. Portugal nem isso. Agora que a troika mandou colocar um travão na irracionalidade eólica os portugueses vão começar a pagar uma das mais caras energias eléctricas da Europa e do mundo. E a perceber até que ponto as renováveis foram ruinosas para o país.

Saldo exportador espanhol (REE)
Em 2010, ano de elevada produção hidroeléctrica como reconhece a REN no seu resumo anual, a península consumiu 329.977 GWh (dados REN e REE) de energia eléctrica. Desse consumo a Espanha coube 84% (275.773 GWh) e a Portugal 16% (52.204 GWh). Portugal consome pouco mais do que a Catalunha. A produção foi ligeiramente superior. 2,2% foi consumida na geração eléctrica, 1,5% em bombagem nas barragens e cerca de 2,4% foi exportada, principalmente para Marrocos. Provavelmente por ter sido um ano de elevada produção hidroeléctrica, em relação a 2009, Portugal importou menos electricidade de Espanha e o saldo ibérico com França até foi positivo. Quando escrevo positivo é para facilitar o entendimento. Apesar das exportações serem, normalmente, benéficas, no caso da electricidade ibérica exportar significa empobrecer. Como a Península Ibérica é uma região relativamente pequena no globo e existe uma correlação na intensidade dos ventos entre os dois países não é difícil concluir que parte da energia eléctrica que Espanha enviou para outros países foi energia eólica portuguesa que Espanha não conseguiu consumir.

O mix produtivo ibérico fica assim distribuído pelas diversas fontes: gás natural (25%); nuclear (21%); hidroeléctrica (20%); eólica (18%); carvão (10%) e outros (17%) entre os quais solar, biomassa e não renováveis em regime especial.

Primeira ilação que se tira. Apesar de sermos recordistas mundiais no consumo de energia eólica a base de consumo da região luso-espanhola é termoeléctrica e nuclear. Como demonstrarei neste blog, o futuro eléctrico planetário passará essencialmente pelo duo gás natural-nuclear. Por esta razão, e não por consumirmos tanta eólica, se pode dizer que a Península Ibérica até nem está assim tão mal no caminho da sustentabilidade económica e ambiental do seu sector eléctrico.

Vários valores interessantes se retiram dos resumos anuais dos dois países. Se admitirmos uma potência eólica média em 2010 de 19.155 MW em Espanha e 3.531 MW em Portugal o factor de capacidade do parque eólico ibérico no ano foi de 27,9%. Devido a este facto, apesar de haver mais do triplo de potência eólica instalada do que potência nuclear (7.448 MW), as centrais nucleares espanholas conseguiram gerar mais electricidade do que as turbinas dos dois países.

Se admitirmos que toda a exportação de energia eléctrica ibérica se deveu a excesso de produção eólica então 15,7% da produção eólica foi exportada. Com esta assunção, na Península Ibérica, a eólica valeu apenas 14,4% do consumo. Ainda assim, certamente, o valor mais elevado do mundo. Com esta assunção, uma pequena parte da factura eléctrica que os portugueses e espanhóis pagam serve para financiar a electricidade de Marrocos que é deficitário na produção eléctrica. Graças à produção em regime especial (PRE) a exportação de electricidade na Península Ibérica empobrece os dois países.

Na minha opinião, e o futuro provará se tenho ou não razão, dificilmente os 15% de peso eólico no consumo serão superados expressivamente. As metas de integração de 50% de renováveis propagandeadas pelo Greenpeace, Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) ou as associações americanas (AWEA) e europeia (EWEA) de energia eólica, entre outros, não passam de fantasias parcas em sustentação científica ou económica.

Apesar de os subsídios vitais para a manutenção do negócio da energia eólica estarem cada vez mais a ser postos em causa, quer em Portugal quer em Espanha, acredito que na Península Ibérica ainda se instale potência eólica por mais uns anos até se chegar, talvez, a um peso de 25% no mix produtivo (8% de aumento). Para tal será requerido um parque eólico de 31.500 MW de potência, ou seja, é preciso adicionar mais 9.000 MW de potência. O valor é uma enormidade e, naturalmente, o investimento terá de ser suportado por tarifas feed-in. Parte desta potência será, provavelmente, instalada no mar com custos entre duas e três vezes o custo em terra. Com o fim das tarifas reguladas em Portugal pode-se imaginar o preço da electricidade que estaremos a pagar num cenário destes.

Admitamos que o consumo eléctrico na península não vai aumentar nos próximos anos, uma simplificação que não é totalmente descabida dada a situação económica. Contudo isso significa mais cerca de 23.100 GWh/ano de energia eólica a chegar à rede. Se assumirmos que metade é imediatamente consumida sobram 12.000 GWh. Admitindo que os países periféricos têm capacidade de absorção as exportações iriam aumentar 150% (8.300 GWh em 2010). Se a opção for armazenar em barragens isso implica triplicar a capacidade de bombagem (4.900 GWh em 2010) num total de 16.900 GWh. Mantendo a proporção entre os países a Portugal caberia 2.700 GWh (16%). A opção de bombagem também significa que 3.000 GWh se perdem dada a eficiência de 75% do processo. O custo do equipamento e infraestruturas para a bombagem fica demonstrado no PNBEPH.

Um aumento de 8% na produção eólica significa, respectivamente nos cenários de exportação e bombagem que admiti, uma cobertura de 4% e 6,5% do consumo de energia eléctrica nos países ibéricos. Apesar dos elevadíssimos custos associados, qualquer que seja o cenário, o investimento não permitiria, em segurança, prescindir dos 10% de produção eléctrica com uso de carvão. Essa devia ser a primeira meta ambiental no sector eléctrico. Isso mostra, se dúvidas houver, que a integração de energia eólica não aumenta drasticamente a independência energética nem anula a necessidade de backups termoeléctricos.   

Por tudo isto acho que estamos a assistir à chegada do pico de integração de energia eólica na Península Ibérica e também no mundo. Aqui analiso a extrapolação do exemplo ibérico para a União Europeia.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Fukushima, o derradeiro teste à energia nuclear

George Monbiot
George Monbiot é um escritor, jornalista e colunista do jornal The Guardian. É também um conhecido ambientalista informado e sério e por isso, naturalmente, defensor da energia nuclear. Nesta reflexão, interessante e reveladora, como é seu hábito, este inglês afirma que a sua posição em relação ao nuclear mudou com o tsunami que atingiu Fukushima I ou Daiichi (dai é número em japonês e ichi significa um). Mas não mudou no sentido mais óbvio para a maioria das pessoas:

"You will not be surprised to hear that the events in Japan have changed my view of nuclear power. You will be surprised to hear how they have changed it. As a result of the disaster at Fukushima, I am no longer nuclear-neutral. I now support the technology."
E suporta esta afirmação explicando a razão de ter passado a acreditar mais na energia nuclear:
"A crappy old plant with inadequate safety features was hit by a monster earthquake and a vast tsunami. The electricity supply failed, knocking out the cooling system. The reactors began to explode and melt down. The disaster exposed a familiar legacy of poor design and corner-cutting. Yet, as far as we know, no one has yet received a lethal dose of radiation."
O texto foi escrito a 21 de Março. Hoje confirma-se que ninguém morreu vítima da radiação. Monbiot tem razão no raciocínio que faz. Neste post detalhei as consequências do acidente de Fukushima Daiichi a nível de emissão de radiação. Sob o manto espesso de sensacionalismo que rodeou a evolução da situação, a crueza dos números mostra que a grande parte da radioactividade ficou contida dentro do perímetro da central. Ao contrário do que se afirmou, as consequências não serão sentidas durante décadas. Neste outro post deixei a informação de que, 5 meses depois do desastre, a vida na província de Fukushima está lentamente a voltar à normalidade. Se formos absolutamente racionais temos de admirar a capacidade de resistência da central a um desastre natural de magnitude muito rara.

Falha tectónica Açores-Gibraltar
Em Portugal, onde a energia nuclear não goza de grande popularidade, os acontecimentos em Fukushima Daiichi foram comentados como sendo a confirmação da perigosidade intrínseca da energia nuclear. Esta percepção é desmentida pelos números. A pergunta mais comum que foi feita na altura era o que acontecia em Portugal se um tsunami de proporções idênticas atingisse uma central nuclear na nossa costa. A pergunta faz sentido até pela presença da falha tectónica Açores-Gibraltar que passa perto da nossa costa e é capaz de provocar um tsunami significativo. A resposta mais acertada seria nada. As evidências?
Localização de Fukushima I e II
O complexo de 6 reactores de Fukushima Daiichi remonta à década de 70 do século XX. É dos mais antigos do parque de centrais nucleares do Japão. Pertencem à segunda geração de reactores nucleares (Gen II) e a central nunca foi projectada para resistir a uma parede de água tão alta quanto aquela que atingiu parte da costa nordeste japonesa no passado dia 11 de Março. O terremoto cortou a alimentação eléctrica exterior imprescindível ao funcionamento do sistema de arrefecimento. Os reactores já tinham entrado em shutdown e por isso não havia electricidade gerada na central. O backup de geradores diesel entrou em funcionamento mas o tsunami inundou-os e estes pararam. Entraram em funcionamento as baterias de emergência com autonomia de 8 horas. Como não foi reposta outra fonte de energia eléctrica nesse tempo deixou de haver arrefecimento, o núcleo dos reactores e as piscinas de arrefecimento do combustível gasto começaram a aquecer, a água começou a vaporizar e para evitar uma sobrepressão foi deixado sair vapor radioactivo para o exterior de forma controlada. A evaporação da água e o aquecimento consequente acabaram por gerar reacções químicas com libertação de hidrogénio. Para aliviar a concentração deste e evitar uma brutal explosão ventilou-se para a atmosfera. O hidrogénio em contacto com o ar exterior provocou explosões da forma que quase todos assistimos na televisão. Os reactores não foram afectados nestas explosões. Resumidamente foi isto que se passou em Fukushima Daiichi. Uma explicação mais pormenorizada mas sem entrar em excessivos detalhes técnicos encontra-se aqui.

Menos provável é alguém ter visto imagens, ou sequer ter ouvido falar, de Fukushima II ou Daini (dai ni significa número dois). Esta central foi construída sensivelmente uma década depois de Fukushima I e cerca de 3 km para sul da primeira. É composta por quatro reactores do tipo Boiling Water Reactors (BWR) GenII. Embora fornecidos pelos japoneses da Toshiba e Hitachi ao invés dos General Electric acidentados em Fukushima I são muito semelhantes no seu princípio de funcionamento e segurança oferecida. A razão pela qual a maioria das pessoas nunca ouviu falar de Fukushima II é porque esta central passou relativamente incólume pelo terremoto e tsunami.

Vista aérea de Fukushima II
Mas se uma central fosse hoje construída em Portugal seria equipada com reactores da última geração (Gen III+) radicalmente diferentes dos de Fukushima I e II e amplamente mais seguros. Para se ter uma ideia de quanto, os reactores nipónicos foram projectados com um core damage frequency (CDF) de 10−7, isto é, um dano no núcleo todos os 10.000.000 anos de funcionamento. Um reactor Areva EPR é desenhado com um CDF de 6,1x10−7, ou seja seis vezes mais robusto. Mas não é tudo, um reactor Areva EPR tem quatro sistemas de arrefecimento independentes, ou seja, tripla redundância, algo que nem é usado na aviação. Obedece a filosofia passive safety o que o faz desligar e arrefecer automaticamente em caso de avaria, sem precisar de intervenção humana ou energia eléctrica.

Uma central nuclear em Portugal podia ser concebida para suportar um tsunami de 14 metros de altura como o que se registou no Japão e não os 6 metros de projecto das centrais na província de Fukushima. Uma central nuclear em Portugal ia beneficiar de todos os avanços e sistemas de segurança que forem introduzidos fruto da aprendizagem do acidente japonês. É isso que acontece em todas as indústrias e a nuclear não é excepção.

Por todas as razões que desenvolvi anteriormente creio poder-se afirmar sem demasiado optimismo que dificilmente uma central nuclear contruída em Portugal viria a sofrer, sob um tsunami de iguais proporções e no seu período de vida, os danos que sofreu Fukushima Daiichi. A falta de segurança não é uma razão válida para se recusar recorrer à energia nuclear. Ou socorrendo-me do último parágrafo do texto de Monbiot:
"Yes, I still loathe the liars who run the nuclear industry. Yes, I would prefer to see the entire sector shut down, if there were harmless alternatives. But there are no ideal solutions. Every energy technology carries a cost; so does the absence of energy technologies. Atomic energy has just been subjected to one of the harshest of possible tests, and the impact on people and the planet has been small. The crisis at Fukushima has converted me to the cause of nuclear power."