sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Os números do Programa Nacional de Barragens

Antevisão Foz Tua (EDP)
O Público noticiou na segunda-feira que existe a possibilidade de a UNESCO baixar o grau de património da Humanidade da região ao Alto Douro Vinhateiro em virtude da construção na zona da barragem de Foz Tua. Não estou em posição de avaliar a veracidade deste ameaça mas quero analisar a oportunidade eléctrica da nova barragem. Pelos números de projecto da EDP, a concessionária da barragem, Foz Tua vai custar €300 milhões para produzir 275 GWh de energia eléctrica líquida (explicação mais à frente) anualmente. Ou seja, trabalhará com uma potência média de 31,39 MW.

A central a gás natural do Ribatejo que é uma Combined Cycle Gas Turbine (CCGT) com uma potência instalada de 1.200 MW (divida por 3 grupos) tem capacidade para gerar 9.000 GWh/ano. Caso lhe fosse permitido trabalhar à potência nominal e não a fazer ciclos para compensar eólica, como acontece actualmente, igualaria a produção anual de Foz Tua em apenas 11 dias. O custo estimado de construção da central foi de €600 milhões há cerca de 10 anos atrás. Naturalmente é necessário acrescentar o custo do gás na equação.

Um reactor nuclear Areva EPR de 1.650 MW produz, com um factor de capacidade de 85%, os mesmos 275 GWh de Foz Tua em 8 dias. Num ano produz 12.286 GWh. A disparidade é enorme.

Plano Nacional de Barragens
Mais interessante e útil é ver o filme completo. A barragem de Foz Tua faz parte do Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH) que é um programa de construção de barragens que vai dotar o país de novos equipamentos hidroeléctricos, uma parte deles reversíveis (com capacidade de bombagem). Em boa verdade, o intuito principal do plano é armazenar energia eólica de modo a permitir a continuação da instalação de potência no país.

CCGT do Ribatejo (3 x 400 MW)
De acordo com a EDP, quando estas novas barragens estiverem concluídas em 2018 todo o conjunto de barragens do país vai produzir 17.900 GWh/ano brutos. Mas energia bruta é energia resultante da turbinagem de água "nova" e água bombada. A energia líquida (livre de bombagem) vai ser de apenas 13.300 GWh/ano. Isto significa que a bombagem vai recolocar nas albufeiras um potencial de 4.600 GWh/ano, isto é, uma potência média de 525 MW. Porém, como a bombagem tem um rendimento de 0,75, para repor este potencial hidroeléctrico a bombagem vai consumir uma potência média 700MW de energia eólica. No processo vão perder-se 700-525 = 175 MW.

Em relação à produção nacional
A potência média líquida das barragens constantes no PNBEPH é inferior a 200 MW como soma aqui o Prof. Pinto de Sá. Este valor representa 3,3% das necessidades actuais (5.930 MW).

Tendo em conta a bombagem
Essa potência vai igualmente ser pouco superior ao consumo médio na bombagem. Efectivamente, a quantidade de energia eléctrica que as novas barragens vão fornecer depois de descontar o propósito da sua existência (armazenar energia eólica) é praticamente nula (200 - 175 = 25 MW em valores de potência).

Em relação a uma central nuclear
O segundo reactor Areva EPR a ser construído no mundo está a ser instalado na central francesa de Flamanville (o primeiro é na Finlândia). O custo estimado em 2005 foi de €3,3 mil milhões mas dificuldades na construção já colocaram o preço da obra em €6 mil milhões. De acordo com a Brave New Climate a construção de um reactor de nova tecnologia ou a construção de uma central nuclear num país sem know-how na tecnologia implica um agravamento dos custos de 50%. É de esperar que os futuros reactores Areva EPR sejam instalados por cerca de €4 mil milhões. No entanto, se acontecesse em Portugal, e uma vez que nunca tivémos uma unidade do género, é prudente admitir que a construção de uma central nuclear de 1.650 MW viesse a custar €7 mil milhõesO PNBEPH vai custar cerca de €5 mil milhões.

O PNBEPH vai dotar o país de uma potência hidroeléctrica que é cerca de 14,2% da potência média (1.400MW) de um reactor nuclear de 1.650MW. A potência média das novas barragens vai ser uma fracção de uma central nuclear por um preço não muito inferior.

A comparação acaba por não poder sair do plano teórico dado que Portugal não tem potencial hidroeléctrico inexplorado para igualar os 12.286 GWh/ano de um reactor Areva EPR.

Conclusão

Flamanville 3 (2º reactor Areva EPR)
O PNBEPH foi criado para dar corpo à expansão da energia eólica em Portugal. Quando estiver concluído o país vai ter uma capacidade anual de consumo em bombagem de 6.100 GWh (potência de 700MW) o que é mais do dobro da necessidade de armazenagem nacional (2,7 GWh) que admiti no cenário de 25% de eólica na Península Ibérica. Porém, o meu cenário fica aquém dos objectivos do país e talvez por isso este aparente sobredimensionamento. Esta bombagem será economicamente lesiva para os consumidores e contribuintes portugueses pois as barragens vão consumir em alturas de excesso de oferta (preços baixo) e turbinar em períodos de falta (preços altos). O restante terá de ser consumido por carros eléctricos ou exportado com desconto de preço evidentemente. As barragens sem bombagem a construir só servirão, praticamente, para compensar o desperdício na bombagem das que estiverem equipadas com turbinas reversíveis.

Se se tivesse optado na altura, por construir uma central nuclear de 1.650 MW em vez do PNBEPH, o país chegaria a 2018 com uma capacidade de geração eléctrica, relativamente ao consumo 2010, aumentada em 23% e não 3,3%. E não haveria desperdícios porque não há bombagem em centrais nucleares. Também não seria necessária porque se podia prescindir das turbinas eólicas que estão a mais. Ou acabar com a produção eléctrica a carvão. A independência energética era a mesma pois Portugal tem urânio (ainda que enriquecimento tivesse de ser feito no estrangeiro, provavelmente França). O impacto ambiental, social e turístico era menor porque não se ia construir a central em paisagem classificada.

2 comentários:

  1. Central do Ribatejo de Ciclo Combinado de que fala foi construída no ano passado e são dois e não três grupos. A central a carvão entrou em funcionamento em meados dos anos 90

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  2. O grupo 1 e 2 da central do Ribatejo entrou ao serviço em 2004, o 3º grupo um ano depois. Na foto do post vê-se perfeitamente os três grupos.

    A central a carvão de Sines começou a operar em 1985.

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