quarta-feira, 13 de julho de 2011

Dilema down under

A Austrália está preocupada com os seus níveis de libertação para a atmosfera de gases de efeito de estufa (GEE). A ponto de alguns cientistas e ambientalistas terem sugerido matar todos os camelos existentes no território, cerca de 1 milhão, e com perspectivas de aumentarem por não terem predadores. Justificam a medida pelo facto de cada um deste animais produzir anualmente 45 kg de metano (que tem o efeito de estufa equivalente a 1 ton de CO2). Na minha opinião o extermínio faz sentido se servir para equilibrar a fauna nos habitats dado que o camelo não é uma espécie nativa. Do ponto de vista ambiental, o total de 1Mt CO2-e (equivalente) emitidos pelos camelos é negligenciável face aos 600Mt CO2-e produzidos anualmente (2009) pela Austrália. 

Mix eléctrico australiano
Mais significativa, pelo menos do ponto de vista económico, foi a medida proposta pela recente primeira-ministra australiana Julia Gillard de introduzir no país uma taxa sobre GEE durante três anos e daí em diante iniciar um emission trading scheme (ETS). Já se tinha tentado anteriormente introduzir um imposto deste tipo na Austrália, país em que a população se mostra sensível às questões ambientais e de tendência anti-nuclear. Curioso porém é o facto de que ao mesmo tempo que se sugere matar todos os camelos, a pecuária que contribuiu em 2009 com 54,7 Mt CO2-e fique isenta da taxa ambiental. Infelizmente não é a única contradição australiana em assuntos ambientais. Se a criação de animais influência a emissão de GEE a maior fatia de culpa cai sobre o sector eléctrico. Por mais retórica que exista em redor desta taxa de nada ela servirá se não se mudar profundamente o paradigma de geração de electricidade no continente australiano.

Emissão de gases de efeito de estufa por fonte
Este sector foi responsável por lançar na atmosfera 206,7Mt CO2-e, 1/3 da emissão do país. A causa encontra-se rapidamente, 75% da electricidade da Austrália é gerada pela queima de carvão, altamente poluente, mesmo se o carvão australiano é de muito boa qualidade. Na segunda imagem deste post é possível ver a comparação dos gases de efeito de estufa emitidos pelas várias fontes onde pontificam o carvão e o gás natural (que vale 15% do mix eléctrico australiano).

Esta preferência prende-se com o facto de a Austrália ter enormes reservas de carvão. Este mineral tão abundante no território constitui mesmo a sua maior fonte de exportação. E a Austrália também lidera o ranking de exportadores de carvão à frente da Indonésia. Esta riqueza tem a vantagem de proporcionar aos australianos um preço de electricidade muito competitivo mas o grande inconveniente, para o resto do Mundo, de a Austrália ser o maior emissor de GEE per capita do planeta. Existirão alternativas? Naturalmente que sim.

Carbon Capture and Storage (CCS)

A Austrália podia aumentar o peso do gás natural pois tem esse recurso no seu subsolo com reservas estimadas para 81 anos. Mas isso iria melhorar, não solucionar o problema. Outra hipótese seria equipar as centrais a carvão e gás natural com captura e armazenamento de CO2 (CCS). Porém essa é uma tecnologia não totalmente dominada. E mesmo dominada pode elevar para cerca do dobro o custo de produção da central termoeléctrica. Uma das razões para tal é que existe necessidade de comprimir o dióxido de carbono capturado antes de armazenar debaixo da terra. Esse processo pode consumir cerca de 25 a 40% da energia produzida numa central a carvão. Outro problema são os riscos de fugas do CO2 armazenado no subsolo. Reconheçamos, mesmo que a industrialização do CCS venha a ser uma realidade (e a preço competitivo) não é uma solução muito elegante. Se não queremos CO2 libertado é preferível não o emitir no processo de geração eléctrica. É essa uma das vantagens das energia renováveis e nuclear.

Solar fotovoltaica

Custo de produção de MWh por fonte
Não obstante o continente australiano ter boas condições de sol e baixa densidade populacional, duas condições essenciais para instalar parques solares fotovoltaicos de baixa densidade de produção eléctrica lá, como em todos os  países do planeta, a energia solar é ruinosamente cara. Só por isso inviável como solução de energia de base. Muito dificilmente os australianos aceitariam pagar pela electricidade que consomem quatro vezes mais do que actualmente (ver quadro ao lado). Nem é preciso referir que os painéis solares têm um factor de carga em países abundantes com sol de 20% pelo que seria impossível a Austrália prescindir de centrais termoeléctricas em favor do fotovoltaico.

Hidroeléctrica

Mix produtivo fontes renováveis
Como se pode ver no primeiro quadro deste post 5% da energia eléctrica australiana provém de barragens graças ao complexo Snowy Mountains Scheme que é a maior fonte de energia renovável no país (gráfico ao lado). No entanto este complexo é único num pais árido e sem recursos hídricos para perspectivar um crescimento significativo do peso das hidroeléctricas no mix produtivo. Até no Snowy Mountains Sheme se recorre à bombagem para aumentar a capacidade de produção no rio Tumut



Eólica


Distribuição de ventos (m/s)
À partida é a eólica a fonte renovável com um futuro mais promissor no continente australiano. A Austrália tem boas condições de vento na costa sul, Tasmânia e uma parte da costa nordeste com ventos acima de 7m/s. São ventos de qualidade que garante os seus parque eólicos em funcionamento um factor de capacidade de 35%, um valor muito bom face à média mundial de 25%. Como a maior parte dos australianos vive na costa é de prever que a massificação dos parques eólicos viesse a originar, pontualmente, conflitos nas concessões de terrenos. Seguramente o turismo australiano sairia afectado com a presença de tantas turbinas na proximidade de zonas balneares. Mas o grande problema da energia eólica não é esse.

Em 2009 a Austrália produziu 266 TWh de energia eléctrica, dos quais 90%, ou 240 TWh, a partir de combustíveis fósseis. Distribuindo igualmente pelo ano isso significa que, em média, as centrais termoeléctricas do país produziram 27,4 GW ininterruptamente. Se a mesma quantidade de electricidade viesse do vento a Austrália precisaria de 78GW de potência eólica instalada. Mesmo considerando a enorme área do país favorável à produção eólica, que cobre vários fusos horários, seria impossível conseguir um equilíbrio produtivo de forma a ultrapassar a intermitência na rede. A ideia europeia de uma super rede eléctrica poderá mitigar mas jamais permitir 90% de produção eólica. Seria inevitável, numa noite de muito vento, a rede eléctrica australiana ser chamada a absorver um excesso 51 GW. E de que forma o poderia fazer, exportar como faz Portugal para Espanha? Impossível pois a Austrália está rodeada por mar. Armazenar em barragens por meio de bombagem como é também objectivo luso? Não existem rios e lagos para viabilizar esta hipótese. Só resta aos Australianos desligarem os parques eólicos da rede quando estes produzirem a mais. O problema é que a grande vantagem ambiental das turbinas eólicas (não consumir combustível) é um grande entrave económico à sua massificação. Como a energia eólica não tem custos variáveis, desligar parques eólicos da rede em alturas de sobreprodução iria implicar uma queda considerável do factor de capacidade e um agravamento do preço do kWh.

Desligar da rede os parque eólicos nas alturas de produção em excesso teria como consequência uma insuficiência de energia armazenada para dispensar à rede nas alturas de produção eólica deficitária. Ao contrário dos países europeus com excesso de potência eólica instalada a Austrália não pode depender de uma "França nuclear". A Austrália tem de ser auto-suficiente dentro das suas fronteiras. Mesmo com uma potência eólica instalada de 78GW, teria de ter sempre centrais a gás natural de reserva para alimentarem a rede quando tal fosse preciso, como acontece em Portugal. Para além dos custos associados à diminuição da eficiência das centrais termoeléctricas por não operarem na sua potência nominal essa condicionante estragava os objectivos de abandono de combustíveis fósseis. Este exercício do caso australiano serve para mostrar algo que detalharei mais noutro post e que já comentei neste. A energia eólica não serve para produção de energia de base se não for combinada com mecanismos de escoamento do excesso (barragens) e compensação da falta (central gás natural).    
 

Por não ter capacidade de armazenagem de energia eólica em barragens a descarbonização da economia Australiana só será possível com a mudança da produção energética para uma fonte isenta de emissão de GEE, competitiva no preço face aos combustíveis fósseis e sem a intermitência da eólica, a energia nuclear. Enquanto isso não acontecer a taxa ambiental de Julia Gillard terá um impacto tão profundo quanto a erradicação dos camelos. A aversão dos australianos à energia nuclear não deixa antever novidades para breve.

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