terça-feira, 16 de agosto de 2011

Fukushima, o derradeiro teste à energia nuclear

George Monbiot
George Monbiot é um escritor, jornalista e colunista do jornal The Guardian. É também um conhecido ambientalista informado e sério e por isso, naturalmente, defensor da energia nuclear. Nesta reflexão, interessante e reveladora, como é seu hábito, este inglês afirma que a sua posição em relação ao nuclear mudou com o tsunami que atingiu Fukushima I ou Daiichi (dai é número em japonês e ichi significa um). Mas não mudou no sentido mais óbvio para a maioria das pessoas:

"You will not be surprised to hear that the events in Japan have changed my view of nuclear power. You will be surprised to hear how they have changed it. As a result of the disaster at Fukushima, I am no longer nuclear-neutral. I now support the technology."
E suporta esta afirmação explicando a razão de ter passado a acreditar mais na energia nuclear:
"A crappy old plant with inadequate safety features was hit by a monster earthquake and a vast tsunami. The electricity supply failed, knocking out the cooling system. The reactors began to explode and melt down. The disaster exposed a familiar legacy of poor design and corner-cutting. Yet, as far as we know, no one has yet received a lethal dose of radiation."
O texto foi escrito a 21 de Março. Hoje confirma-se que ninguém morreu vítima da radiação. Monbiot tem razão no raciocínio que faz. Neste post detalhei as consequências do acidente de Fukushima Daiichi a nível de emissão de radiação. Sob o manto espesso de sensacionalismo que rodeou a evolução da situação, a crueza dos números mostra que a grande parte da radioactividade ficou contida dentro do perímetro da central. Ao contrário do que se afirmou, as consequências não serão sentidas durante décadas. Neste outro post deixei a informação de que, 5 meses depois do desastre, a vida na província de Fukushima está lentamente a voltar à normalidade. Se formos absolutamente racionais temos de admirar a capacidade de resistência da central a um desastre natural de magnitude muito rara.

Falha tectónica Açores-Gibraltar
Em Portugal, onde a energia nuclear não goza de grande popularidade, os acontecimentos em Fukushima Daiichi foram comentados como sendo a confirmação da perigosidade intrínseca da energia nuclear. Esta percepção é desmentida pelos números. A pergunta mais comum que foi feita na altura era o que acontecia em Portugal se um tsunami de proporções idênticas atingisse uma central nuclear na nossa costa. A pergunta faz sentido até pela presença da falha tectónica Açores-Gibraltar que passa perto da nossa costa e é capaz de provocar um tsunami significativo. A resposta mais acertada seria nada. As evidências?
Localização de Fukushima I e II
O complexo de 6 reactores de Fukushima Daiichi remonta à década de 70 do século XX. É dos mais antigos do parque de centrais nucleares do Japão. Pertencem à segunda geração de reactores nucleares (Gen II) e a central nunca foi projectada para resistir a uma parede de água tão alta quanto aquela que atingiu parte da costa nordeste japonesa no passado dia 11 de Março. O terremoto cortou a alimentação eléctrica exterior imprescindível ao funcionamento do sistema de arrefecimento. Os reactores já tinham entrado em shutdown e por isso não havia electricidade gerada na central. O backup de geradores diesel entrou em funcionamento mas o tsunami inundou-os e estes pararam. Entraram em funcionamento as baterias de emergência com autonomia de 8 horas. Como não foi reposta outra fonte de energia eléctrica nesse tempo deixou de haver arrefecimento, o núcleo dos reactores e as piscinas de arrefecimento do combustível gasto começaram a aquecer, a água começou a vaporizar e para evitar uma sobrepressão foi deixado sair vapor radioactivo para o exterior de forma controlada. A evaporação da água e o aquecimento consequente acabaram por gerar reacções químicas com libertação de hidrogénio. Para aliviar a concentração deste e evitar uma brutal explosão ventilou-se para a atmosfera. O hidrogénio em contacto com o ar exterior provocou explosões da forma que quase todos assistimos na televisão. Os reactores não foram afectados nestas explosões. Resumidamente foi isto que se passou em Fukushima Daiichi. Uma explicação mais pormenorizada mas sem entrar em excessivos detalhes técnicos encontra-se aqui.

Menos provável é alguém ter visto imagens, ou sequer ter ouvido falar, de Fukushima II ou Daini (dai ni significa número dois). Esta central foi construída sensivelmente uma década depois de Fukushima I e cerca de 3 km para sul da primeira. É composta por quatro reactores do tipo Boiling Water Reactors (BWR) GenII. Embora fornecidos pelos japoneses da Toshiba e Hitachi ao invés dos General Electric acidentados em Fukushima I são muito semelhantes no seu princípio de funcionamento e segurança oferecida. A razão pela qual a maioria das pessoas nunca ouviu falar de Fukushima II é porque esta central passou relativamente incólume pelo terremoto e tsunami.

Vista aérea de Fukushima II
Mas se uma central fosse hoje construída em Portugal seria equipada com reactores da última geração (Gen III+) radicalmente diferentes dos de Fukushima I e II e amplamente mais seguros. Para se ter uma ideia de quanto, os reactores nipónicos foram projectados com um core damage frequency (CDF) de 10−7, isto é, um dano no núcleo todos os 10.000.000 anos de funcionamento. Um reactor Areva EPR é desenhado com um CDF de 6,1x10−7, ou seja seis vezes mais robusto. Mas não é tudo, um reactor Areva EPR tem quatro sistemas de arrefecimento independentes, ou seja, tripla redundância, algo que nem é usado na aviação. Obedece a filosofia passive safety o que o faz desligar e arrefecer automaticamente em caso de avaria, sem precisar de intervenção humana ou energia eléctrica.

Uma central nuclear em Portugal podia ser concebida para suportar um tsunami de 14 metros de altura como o que se registou no Japão e não os 6 metros de projecto das centrais na província de Fukushima. Uma central nuclear em Portugal ia beneficiar de todos os avanços e sistemas de segurança que forem introduzidos fruto da aprendizagem do acidente japonês. É isso que acontece em todas as indústrias e a nuclear não é excepção.

Por todas as razões que desenvolvi anteriormente creio poder-se afirmar sem demasiado optimismo que dificilmente uma central nuclear contruída em Portugal viria a sofrer, sob um tsunami de iguais proporções e no seu período de vida, os danos que sofreu Fukushima Daiichi. A falta de segurança não é uma razão válida para se recusar recorrer à energia nuclear. Ou socorrendo-me do último parágrafo do texto de Monbiot:
"Yes, I still loathe the liars who run the nuclear industry. Yes, I would prefer to see the entire sector shut down, if there were harmless alternatives. But there are no ideal solutions. Every energy technology carries a cost; so does the absence of energy technologies. Atomic energy has just been subjected to one of the harshest of possible tests, and the impact on people and the planet has been small. The crisis at Fukushima has converted me to the cause of nuclear power."

Sem comentários:

Enviar um comentário