domingo, 21 de agosto de 2011

Pequenas notas sobre combustível nuclear

A confusão e demagogia que existe entre energia nuclear civil e armas nucleares militares é tão grande que me parece ser interessante fazer um resumo dos combustíveis usados nas centrais nucleares. O Urânio (símbolo U) aparece na natureza com uma proporção de 99,3% de isótopo U-238 e 0,7% de isótopo U-235. Porém, só o isótopo U-235 é cindível e como tal o urânio natural não tem a configuração para gerar energia eléctrica. Para isso o urânio necessita ser enriquecido.
 
Low Enriched Uranium (LEU)
É o combustível usado na maioria das centrais nucleares e é constituído por cerca de 96% de isótopo U-238 e 4% de U-235 depois de enriquecido moderadamente daí o seu nome Low Enriched Uranium (LEU). A reacção em cadeia de fissão nuclear que se dá num reactor nuclear consome apenas 5% do combustível introduzido até o fazer regressar a um estado de empobrecimento, ou Depleted Uranium (DU). Estes 95% de urânio empobrecido sobrante, apelidado normalmente de lixo nuclear, é 95% U-238, 1% U-235, 1% plutónio e 3% de outros produtos da fissão. Apesar de quase todo o combustível introduzido nas actuais centrais nucleares não ser consumido os resíduos resultantes são muito menores do que numa central termoelétrica a carvão graças à densidade energética do urânio para fissão. Quase todo o resíduo nuclear criado no planeta está armazenado e servirá de combustível aos reactores de quarta geração.

A concentração do urânio fissível U-235 no típico LEU não é suficiente para provocar uma reacção tão rápida que provoque uma explosão. Por isso não é possível um reactor provocar uma explosão nuclear. Nem é concebível que um bando de terroristas possa criar uma bomba nuclear roubando material de uma central nuclear. As bombas nucleares precisam de concentrações de isótopos fissíveis plutónio 239, urânio 233 ou 235 muito mais elevadas na ordem dos 80 a 90%.

Mixed Oxide Fuel (MOX)
Este combustível resulta do reprocessamento e mistura de diferentes óxidos ou isótopos fissíveis para criar combustível nuclear, daí o seu nome Mixed Oxide Fuel ou MOX. Tipicamente o MOX mistura Plutónio (símbolo Pu) com urânio natural ou urânio empobrecido reutilizado numa proporção de 7% de plutónio e 93% de urânio, ou seja, sensivelmente a mesma proporção fissível/não fissível do LEU. O MOX tem a vantagem adicional de reconverter plutónio de armamento nuclear desactivado que de outra forma teria de ser armazenado. Apesar de o MOX ter um comportamento semelhante ao LEU a maior parte das centrais nucleares existentes não foram projectadas para usar MOX pelo que industrialmente não se ultrapassa a proporção de 1/3 de MOX para 2/3 de LEU nos reactores. Para se aumentar essa percentagem as centrais têm de sofrer uma revisão técnica profunda. O MOX "queimado" também não é reciclado. Contudo, O MOX é usado um pouco por todo o mundo e cada vez mais. O combustível do reactor 3 de Fukushima Daiichi era LEU/MOX. Actualmente quase todo o MOX é produzido em França e Inglaterra. Graças ao MOX, em França, 17% do combustível nuclear usado é reciclado.

Tório (símbolo Th)
A Índia, China e Rússia pesquisam a industrialização de Tório como combustível para reactores nucleares. O uso alternativo de tório para obter energia eléctrica tem aspectos técnicos que o tornam interessante em relação ao urânio. Mas acima de tudo comercialmente tem a grande vantagem de ser três a quatro vezes mais abundante na crosta terrestre o que o torna praticamente inesgotável.

Conclusão
Devido à elevada libertação energética da reacção de cisão do urânio num reactor nuclear a quantidade usada de material é bastante mais baixa do que queima de combustíveis fósseis. Contudo, apenas 5% desse material é consumido e o restante armazenado ou reciclado como MOX que tem ainda a vantagem de dar uso ao material proveniente de armamento nuclear. As reservas mundiais de urânio não vão acabar tão cedo e durarão muito mais a partir do momento em que parte das centrais nucleares no mundo passarem a usar tório em vez de urânio. E lixo nuclear de ontem é o combustível das centrais nucleares de amanhã que serão menos exigentes em relação ao enriquecimento do combustível que usam. A reciclagem dos resíduos e o aproveitamento de novo urânio será muito mais elevado o que tornará a energia nuclear sustentável na sua fonte de energia primária, ou dito de outra forma, fará da energia nuclear uma forma de produção eléctrica inesgotável.

Aqui fica uma condensada animação interactiva do ciclo do combustível nuclear feito pelo Nuclear Energy Institute (NEI):
Interactive Graphic: How Nuclear Fuel is Produced, Used and Stored

Em 5 minutos fica-se a saber como é que se processa o ciclo desde a mineração até à armazenamento.

2 comentários:

  1. Pedro Espinheira21 agosto, 2011 23:47

    Não me oponho ao nuclear, mas sim à sua localização em zonas de elevado risco de catástrofes naturais. A melhor localização será sempre em locais onde a probabilidade de ocorrerem eventos naturais que ponham em risco a integridade de todo o complexo nuclear.
    Mais. Devo acrescentar que as centrais de quarta geração serão muito mais seguras e mais compactas. Talvez se deva pensar melhor nos custos-benefício de tal instalação.

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  2. Caro Pedro,

    O ideal seria nenhuma construção ser feita em zonas de risco de catástrofe natural. O ideal seria New Orleans não existir, por exemplo. No entanto é um bocado utópico pensar que isso é possível. Os centros geradores de electricidade devem estar o mais próximo possível dos centros de consumo. É necessário construir as centrais nucleares tão robustas quanto necessário para garantir, como tem sido o caso até agora, que são capazes de ser seguras.

    As centrais de 4ª geração serão um grande passo em frente da energia nuclear. No entanto, só daqui a 15 anos estarão prontas para funcionar comercialmente.

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