segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O marketing inconsistente da APREN (4ª parte - futuro)

Entre as páginas 8 e 11 o sumário da Roland Berger faz uma previsão da evolução futura dos custos de produção eléctrica ordinária e renovável sob três cenários de maior ou menor rapidez de execução dos Planos Nacionais de Acção para as Energias Renováveis (PNAER) dos dois países da Península Ibérica. Em termos das novas energias renováveis, o PNAER português pretende para a eólica (pág.32):
Alcançar em 2015 uma capacidade instalada em energia eólica superior a 6000 MW e cerca de 6800 MW em 2020, em articulação com a instalação de nova capacidade hídrica reversível para absorver os consumos de vazio da eólica.
As outras fontes renováveis terão muito menos expressão e para quem tiver curiosidade encontra no ENE2020 as respectivas metas. Não vou analisar em detalhe a projecção de custos que a Roland Berger fez. Por um lado neste sumário não são reveladas as contas e por outro as contas partem de pressupostos errados assumidos pelo estudo na primeira parte.

Quero antes discutir a forma gritante como a Roland Berger ignora factos técnicos que fazem do cumprimento do PNAER uma tarefa bastante discutível como já tive oportunidade de analisar aqui. A Roland Berger faz a simplificação típica das projecções de integração de energia renovável que se encontram noutros estudos semelhantes, isto é, admite crescimento linear de todas as variáveis. Nem vou referir o facto de que, com uma produtividade média de 20% (solar), 25% (eólica onshore) e 40% (eólica offshore) a produção de electricidade das renováveis não acompanha o ritmo de instalação.

Mas realmente inoportuno é a tábua rasa que estes estudos fazem em características fundamentais para uma fonte de energia poder estar na base do diagrama de cargas e que não são apanágio das energias renováveis:
  1. Densidade e escala - É possível ter produção suficiente para satisfazer a procura? E que quantidade de combustível e/ou terreno ocupado é necessário para tal?
  2. Acesso à rede - A fonte pode estar tão perto da rede de distribuição para que seja tecnica economicamente viável explorá-la?
  3. Armazenagem - É preciso armazenar parte da electricidade produzida para se conseguir uma produtividade aceitável ou estabilizar a variabilidade na produção?
  4. Despachabilidade - A fonte consegue satisfazer a procura e as variações de carga na rede?
Ter 6.800 MW de potência eólica instalada em 2020, 2025 ou 2030 não é naturalmente a mesma coisa que ter os 3.600 MW actuais. Não é uma questão de instalar mais 1.600 torres de 2 MW. Exige paralelamente mais terrenos, mais rede eléctrica, mais armazenagem e mais backup:
  1. As energias eólica e solares têm uma baixa densidade de produção e por isso requerem espaços generosos para a sua instalação. Acontece que em Portugal os melhores espaços estão tomados e, apesar de ainda não se verificar a contestação de outros países, os portugueses não vão tolerar o impacte ambiental de uma duplicação do número de geradores. Para tal terá de acontecer a instalação de futuros parques no mar que custam cerca de três vezes mais, custo que não é compensado pela melhor produtividade. Onde é que isto está mencionado no estudo? Em lado nenhum.
  2. Diz a Roland Berger que as energias renováveis permitem poupar nos custos da rede. Mas só numa visão utópica de produzir e consumir localmente através de redes regionais. No mundo real os parques eólicos são instalados em locais remotos (e no mar) exigindo por isso investimentos avultados para recolher a pouca electricidade que produzem.
  3. No post que linkei acima discuti a necessidade de armazenagem que o aumento da potência eólica irá exigir em Portugal. As novas barragens estão a ser construídas precisamente para isso. Naturalmente não existe qualquer referência por parte da Roland Berger a este facto que fará subir o preço médio da electricidade devido à baixa eficiência da bombagem.
  4. A deficiente, ou ausente, despachabilidade das energias renováveis são o grande entrave para poderem almejar estar na base do diagrama. Trocar produção ordinária por produção renovável como a Roland Berger faz é mais ou menos o mesmo que o Real de Madrid trocar o Cristiano Ronaldo por um modelo igualmente popular ignorando o facto de este não ser capaz de chutar numa bola. Ter um parque eólico de 6.800 MW instalado e saber que muitas vezes o seu contributo para a produção vai ser nulo é um luxo que só cabe na cabeça de irresponsáveis.


Claro que se se ignorar os pontos que mencionei acima é possível construir gráficos tão bonitos como estes acima. Ainda para mais incluindo benefícios líquidos como o "efeitos de mérito", a poupança em importação de combustíveis fósseis ou a criação de emprego que abordei na segunda parte da minha crítica

Licenças de CO2


O factor mais decisivo para o ganho de competitividade das fontes renováveis segundo a Roland Berger é o aumento do custo ambiental para as centrais termoeléctricas em virtude das licenças de CO2. O documento não discute o impacto da substituição em Portugal, até 2030, de toda a produção eléctrica com carvão por gás natural que emite menos de metade de CO2 e muito menos de outros gases, esses sim, poluentes. Nem considera o fim do comércio das licenças que é um cenário com bastante probabilidade, principalmente se a Alemanha acabar mesmo com a energia nuclear e se virar para a produção termoeléctrica. Também não menciona a captura de armazenagem de carbono que é a grande esperança europeia para o futuro do sector (mas que na minha opinião é outra miragem como as renováveis).
A Roland Berger também não contempla a hipótese de construção de centrais nucleares em Portugal o que é compreensível. Como não emitem CO2 não precisam de adquirir licenças. Como não usam combustíveis fósseis também têm esse benefício. Mas mais importante que isso:
  1. A energia nuclear é a mais densa que existe e requer muito pouco espaço de implantação da central ou abastecimento de combustível.
  2. As centrais nucleares podem ser instaladas perto dos centros de consumo e não no cimo de serras ou no meio do mar.
  3. Com um mix produtivo bem dimensionado a existência de centrais nucleares não implica armazenagem. Mas se a potência nuclear for sobredimensionada a armazenagem necessária ainda assim pode ser economicamente competitiva dado o baixo custo da produção nuclear.
  4. Uma central nuclear moderna só precisa de parar um mês a cada 18 para renovação do combustível. A despachabilidade durante os 85 a 90% do tempo em que está a gerar electricidade é total para a base do diagrama. Para os picos é necessário o auxílio de fontes mais flexíveis na produção, como o gás natural e as barragens.
A Roland Berger não considera a produção ordinária nuclear porque ela não deixa que a produção renovável seja competitiva até 2030 e, provavelmente, nunca.

2 comentários:

  1. Caro Bruno Carmona.

    Admiro-o muito pelo seu contributo ao debate energético e o tempo que dispõe para o mesmo.
    Sem duvida que a energia com os custos operacionais mais baixos é a nuclear, isso ninguém terá duvidas.
    Mas faço-lhe desde já algumas perguntas:

    1- Onde prevê a instalação da(s) centrais nucleares que tanto refere?
    2 - As populações estarão de acordo?
    3 - A opinião publica terá de acordo?
    4 - Qual o meio de financiamento das mesmas?
    5 - Que fim prevê para o lixo radioactivo?

    Cumprimentos

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  2. Caro anónimo,

    Obrigado pelo seu elogio.

    Faz perguntas de alguma complexidade mas deixo um breve comentário.

    1. Perto dos centros de consumo e da rede de distribuição. Uma na Grande Lisboa e outra no Grande Porto. Como não vamos ter nenhuma antes de 2025 e nessa altura deve pensar-se em desactivar a central de carvão em Sines essa era uma possível localização para a central do sul.

    2,3. As populações não estão de acordo. Seria necessário um trabalho de explicação das vantagens e da implicação da construção das centrais. Mas acredito que com honestidade as pessoas percebessem a necessidade delas.

    4. Quase garantidamente seria necessária uma parceria público-privada dado o valor de investimento.

    5. Quase todo ele será combustível nuclear para as futuras centrais nucleares de 4ª geração e por isso deveria ser armazenado. Contudo, parece-me razoável, dada a nossa falta de know-how e dimensão, entregar o ciclo do combustível a um país com indústria nuclear, Caso do Reino Unido por exemplo.

    Cumprimentos

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