Consumo de electricidade EU27 (Eurostat) |
Em 2010 consumiu-se na Península Ibérica 329.977 GWh de electricidade. Na EU27 o consumo foi de 3.115.403 GWh, ou seja, quase dez vezes mais. Naturalmente estamos a falar de outra escala no consumo mas também nos custos e nos desafios técnicos. A produção atingiu 3.115.808 GWh. Desta 54,5% veio de centrais termoeléctricas, 27,6% de centrais nucleares, 12,4% de barragens, 4,6% do vento, 0,7% de painéis solares e 0,2% de unidades geotérmicas. Cerca de 9% da produção andou a migrar mas o saldo final cifrou-se em apenas 2.215 GWh exportados. A bombagem consumiu 42.620 GWh ou 1,4% da produção.
Usando as estatísticas 2010 da European Wind Energy Association (EWEA) a potência instalada de eólica média na EU27 no ano passado foi de 79,631 GW dos quais 2,948 GW (3,7%) de turbinas offshore. De acordo com o Eurostat, toda esta capacidade produziu 143.638 GWh, ou seja, tiveram um factor de capacidade de 20%, bastante abaixo daquilo que se obteve na Península Ibérica. Naturalmente o documento da EWEA não menciona este importante valor. Na verdade, e como é tradição da EWEA, prefere-se comparar valores de capacidade instalada e não de energia gerada. A tentativa de cobrir a realidade vai ao ponto de que, quando se refere à produção eólica em 2010 na EU27, o relatório da EWEA menciona "the wind capacity installed by the end of 2010 would in a normal year produce 181 TWh of electricity".
Mix produtivo EU27 (Eurostat) |
Na reflexão que fiz sobre o sector eléctrico dinamarquês terminei o texto a admitir que não mais de 20% da electricidade consumida na Europa poderá ter origem em turbinas eólicas. No entanto como se trata da extrapolação do caso ibérico e aí admiti 25% de integração vou fazer o mesmo exercício para a EU27. Com 25% de eólica mais 13% de hidroelétrica já existentes a Europa conseguiria atingir num, cenário destes, 38% de contributo renovável para a sua geração eléctrica o que seria assinalável. Contudo o aumento da produção eólica tem de ser acompanhado por aumento de bombagem nas barragens pelo que aumentar 20% de geração eólica na EU27 incrementa o contributo hidroeléctrico.
No caso ibérico admiti que ao subir-se para 25% de contributo eólico para o mix produtivo só metade dela era imediatamente consumida. Tenho pena de não ter dados concretos neste aspecto para corroborar a minha suposição e desde já agradeço se alguém me fornecer. Para o caso da Europa comunitária e dado que se trata de uma área maior admito que existe menos correlação de ventos nos vários países o que permitirá consumir de imediato 60% da produção eólica. Admito também que não existirá aumento de procura nos próximos anos ainda que esta estabilidade na procura me pareça muito pouco provável. A intensidade energética das economias mais desenvolvidas da Europa já é muito boa e será impossível obter grandes ganhos de eficiência. Vou também admitir que a existência de 25% de produção eólica numa super rede eléctrica europeia (requisito obrigatório para se atingir esta meta) não trará problemas técnicos ao seu funcionamento ainda que especialistas avisem que com uma integração de eólica nesta proporção é previsível a ocorrência de apagões.
Pode-se questionar porque é que eu apenas estou a admitir no cenário o contributo da energia eólica quando a solar e a geotérmica ainda têm tão pouca expressão. A solar e a geotérmica valem tão pouco do mix europeu porque a primeira não é economicamente rentável e a segunda é tecnicamente inviável.
A energia solar, apesar da sua baixa produtividade, permitiria contrabalançar eficazmente a eólica. Produz mais durante o dia e no Verão ao invés da eólica que gera mais à noite e no Inverno. Porém o custo da solar é cerca de quatro vezes superior ao da eólica e por isso proibitivo em larga escala.
A energia geotérmica só é possível ser industrialmente explorada em locais com actividade geotérmica a pouca profundidade. É esse o caso de “zonas novas” da crosta terrestre como a Islândia, Hawai ou Nova Zelândia. A Europa é, comparativamente, geologicamente mais antiga e tem uma actividade geotérmica muito mais estabilizada. Embora existam projectos, nomeadamente em França, de exploração geotérmica a grande profundidade ainda não foi conseguida viabilidade técnica.
Outra energia de que se fala, a obtida nas marés, também ainda não conseguiu mostrar capacidade de ser industrializada pelo que não pode ser considerada. A menos que existam surpresas, num futuro próximo, perseguir maior integração de energia renováveis no sector eléctrico significa eólica + hidro.
Se dos 3.115.808 GWh produzidos em 2010 na EU27, um quarto viessem de turbinas eólicas seria preciso, com um factor de capacidade de 25%, uma potência instalada de 360 GW, ou 435% da existente actualmente. Embora uma parte desta potência fosse instalada no mar, caso estivesse montada em terra, ocuparia 33.356 km2 ou cerca de um terço da superfície de Portugal (92.000 km2). Para obter este resultado usei uma densidade produtiva de 2,7 W/m2.
Produção eléctrica por fonte dos vários países europeus (Eurostat) |
Muitos problemas práticos se colocariam num cenário destes a começar pela hipótese de a Europa não ter recursos hídricos para realizar tanta bombagem ou a exigência de se criar um mercado europeu de electricidade gerido centralmente. Outro que ocorre é a resistência dos europeus à construção das inúmeras linhas de alta tensão para canalizar a energia eólica para as barragens. Os recursos eólicos e hídricos europeus não estão uniformemente distribuídos pelo que alguns países (Reino Unido, Holanda, Dinamarca) seriam os fornecedores e outros (Áustria, Suécia e até Portugal) seriam os armazéns. A Noruega, com a sua elevada capacidade hídrica e eólica teria, forçosamente, de entrar neste mercado para o viabilizar. Os austríacos têm uma atitude NIMBY particularmente vincada pelo que a construção desta rede europeia de linhas de alta tensão teria muita contestação pública. O mercado teria de ser regulado centralmente e teria de haver compensações entre países. De outra forma os países fornecedores teriam preços de electricidade verdadeiramente proibitivos por financiarem a electricidade barata de países armazenadores.
Se o excesso de produção eólica fosse inteiramente exportado daria para cobrir o consumo anual da Turquia (200.000 GWh/ano) e do Egipto (109.000 GWh/ano) juntos. Naturalmente tal seria impossível dado que este abastecimento de electricidade não seria constante nem daria resposta à variação de procura destes países. A exportação também obrigaria, naturalmente, à construção de linhas de alta tensão até às fronteiras.
Em qualquer um dos cenários Portugal seria um dos países menos castigados. Produz eólica mas também consegue armazenar. Mas acima de tudo, como não é porta de exportação, as auto-estradas europeias de electricidade não passariam pelo nosso país.
Ainda que este post não desenvolva exaustivamente o cenário de 25% de eólica na geração eléctrica na EU27, fica uma ideia dos desafios técnicos (instalar turbinas, reforçar bombagem, criar uma super rede europeia de alta tensão), constrangimentos políticos (centralizar a gestão da produção e comercialização de electricidade) e sociais (resistência NIMBY). Não contabilizei custos, talvez o faça noutro post, mas é fácil antever que seriam enormes e, seguramente, um dos maiores entraves a esta solução.
Antevejo três possíveis desenvolvimentos para o sector eléctrico na EU27:
1. Continuação da expansão eólica
Acreditando que os desafios técnicos são ultrapassados, que existe financiamento, que os europeus aceitam o impacto visual e ambiental de mais turbinas, barragens e postes de elevada tensão, a Europa consegue reduzir o impacto ambiental da sua geração eléctrica. Mas à custa de perda de competitividade económica face a uma Ásia que vai apostar fundamentalmente em combustíveis fósseis e nuclear.2. Solução mista termoeléctrica-eólica
Falha pelo menos um dos pressupostos (técnico, financeiro, político-social). Aumenta-se a integração de eólica mas sem que esta faça parte do fornecimento de electricidade de base que continua a ser garantida pelas centrais termoeléctricas. As metas ambientais não são atingidas mas também não há tanta degradação da competitividade exportadora dos países comunitários, uma vez que não se prevê subida acentuada do preço dos combustíveis fósseis na próxima década. Ao dia de hoje este parece-me ser o cenário mais plausível de acontecer.3. Aceitação da solução nuclear
A integração eólica não ultrapassa os actuais 5% do mix. A Europa aceita que a energia nuclear é a forma mais barata e eficaz de descarbonizar a sua economia. O impacto visual também é muito menor do que na solução renovável pelo que a aversão NIMBY é capaz de não ser maior nesta solução maioritariamente nuclear. Não é precisa tanta centralização do mercado nem exportação de electricidade dado que o controlo da produção pode ser mais facilmente feito nos países ou regiões.