segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O mundo fantástico da Mobi.E

Postos de carregamento Mobi.E
A página oficial da Mobi.E é um exemplo da crença e propaganda nacional de que o nosso futuro energético se pode basear inteiramente em energia renováveis. No passado dia 26 de Julho a entidade responsável pela gestão da rede de carregamento de veículos eléctricos fez eco de um artigo de opinião no Diário Económico, em que Embaixadora Britânica em Portugal, Jill Gallard, nos dá conta que o Reino Unido querer tornar-se mais "verde". Imagino que a Embaixadora já esteja fora do seu país há muito tempo mas, sendo a representante em Portugal do Reino D. Isabel II, creio que lhe ficaria bem saber mais do que se passa na Nação.

É correcto que o Reino Unido se quer tornar num exemplo de país "verde". Mas isso não acontecerá recorrendo a energia renováveis. Com excepção das hidroeléctricas, nunca aconteceu em nenhum país do mundo, não vai acontecer na Alemanha e certamente não acontecerá no Reino Unido. Os ingleses sabem-no bem e estão a perseguir esse objectivo ambientalista de forma séria e realista. Estão a relançar um programa nuclear como há muito tempo as Ilhas Britânicas não viam. Ainda recentemente o Ministro Inglês da Energia, Charles Hendry, reiterou o compromisso absoluto do Reino Unido com a energia nuclear e chegou a afirmar que sem ela a nação ficará mais negra e prosperará menos.

Agora que estamos esclarecidos em relação à forma como o Reino Unido irá descarbonizar a produção eléctrica ao mesmo tempo que a mantém barata e fiável para os súbditos de sua Majestade vamos embarcar no sonho da Senhora Embaixadora, dos desatentos responsáveis da Mobi.E e da generalidade dos portugueses. Vamos imaginar que em 2011 todos os portugueses trocaram o seu carro de combustão interna por um eléctrico e que é a energia eólica que fornece a electricidade para a bateria destes veículos.

Consumo de carros eléctricos
O parque automóvel ligeiro nacional compreende cerca de 5,7 milhões de unidades. Para simplificar as contas que se vão seguir vamos esquecer pesados e motociclos. Vamos admitir que todos estes Leafs percorrem a distância média actual de cada carro europeu, cerca de 12.000km/ano. Um Leaf tem baterias com uma capacidade de 24 kWh. E tem uma autonomia real de 120 km o que lhe confere um consumo de 20 kWh/100km. Se o parque automóvel fosse todo composto por Leafs, para fazer os 12.000km/ano, cada um precisaria de 2.400 kWh/ano. Todo o parque ia requerer 13,68 TWh/ano.

Se admitirmos que estes carros vão carregar todas as noites entre as 0h e as 6h o país teria um acréscimo de carga de 6.246 MWh todos os dias neste período. Vamos admitir que a produção actual é capaz de dar resposta a 746 MWh adicionais. Para os 5.500MWh em falta seria preciso instalar mais 12.000 MW de turbinas eólicas se admitirmos um factor de capacidade de 46% durante a noite. Um investimento de peso se tivermos em conta que a potência eólica instalada neste momento é de 4.000 MW. Contas feitas o parque eólico nacional teria de quadruplicar.

Com um parque eólico quatro vezes o actual os fluxos de importação e exportação de energia na Península Ibéria seriam agravados na mesma ordem de grandeza. Seria um desafio colossal  para a gestão da rede. E é preciso não descartar que muito possivelmente Espanha não teria capacidade de absorver tanta energia eléctrica em excesso. As nossas barragens seguramente não iam conseguir escoá-la. Agora imagine-se os custos de uma operação desta grandeza. Descendo à Terra só existe uma forma de massificar o carro eléctrico. Com centrais térmicas como parece querer ser a nova forma alemã ou nucleares que será a via seguida pelos ingleses.

Consumo eléctrico na refinação de crude
Diagrama de produtos petrolíferos
Fui alertado por alguns leitores que com a conversão de automóveis de combustão interna para eléctricos ia haver poupança eléctrica na produção de gasolina. Determinar este valor não é imediato mas penso que se obtém um valor aproximado usando o seguinte método. Um barril de petróleo (158l) contém 1,7MWh de energia, pelo que o petróleo bruto (crude) tem uma densidade energética de 10,7kWh/l. Uma refinaria tem cerca de 80% de eficiência no seu processo o que significa que durante a refinação se consome 2,14 kWh/l de energia. De um barril (42 Gal) de crude refinado resultam 45 Gal de produtos petrolíferos dos quais 19 Gal de gasolina e 10 Gal de Diesel, ou seja, 69% da matéria-prima. (nota: a proporção entre produção de gasolina e diesel tem vindo a mudar devido à crescente procura por diesel, em particular na Europa).

Numa típica refinaria a obtenção dos produtos é conseguida com aquecimento e pressurização do crude através da queima de gás natural ou produtos da própria destilação e transformação química também recorrendo a sub-produtos do crude. A electricidade para funcionamento de bombas e compressores representa cerca de 4% da energia consumida, pelo que por cada litro de gasolina ou diesel obtido se consome 0,69x0,04x2,14 = 0,059 kWh de electricidade.

O carro médio de combustão interna gasta cerca de 6 litros/100km. A electricidade "gasta" por esse carro é portanto de 0,354 kWh/100km, um valor irrisório quando comparado com os 20 kWh/100 km típicos do Leaf.

Existem refinarias, contudo, que fazem cogeração (vapor para aquecimento + electricidade) como é o caso da unidade de Sines. A central de cogeração de Sines (Sinocogeração) tem 80 MW de potência instalada e é capaz de exportar até 66 MW para a rede eléctrica. A central de cogeração da refinaria de Matosinhos (Portocogeração) de igual potência deverá estar concluída este ano deixando o sector de refinação de crude nacional quase auto-suficiente em electricidade. Por esta razão é impreciso afirmar que a ausência de refinação de crude em Portugal permita reduzir o consumo de electricidade de forma notória.

Nota: Falta aos valores aqui apresentados de consumo eléctrico numa refinaria alguma consistência pelo que admito estarem incorrectos. Não na ordem de grandeza mas, ainda assim, não totalmente fidedignos. Vou pesquisar para descobrir dados mais coerentes e agradeço desde já qualquer ajuda nesse sentido.

5 comentários:

  1. Não me parece muito justa a comparação da energia consumida para se obter 6 litros de diesel (0.354 kWh) que um carro gasta em 100 km com os 29 kWh que o Leaf gasta nos mesmo 100 km. Talvez eu não tenha percebido o objectivo da comparação, mas parece-me que a comparação que deveria ser feita era a comparação direta de consumos. Ao afirmares o carro gasta 0.354 kWh/100km dá a ideia q 6 litros de diesel contêm 0.354 kWh de energia quando isso não é verdade.

    Uma busca na wiki consegue.se ver q 1 litro de diesel contém 37 Mj ou 10 kWh aprox. e dessa forma um carro normal gasta 60 kWh/100 km, 3 vezes mais que o Leaf. O que é normal tendo em conta que um motor eléctrico é mais eficiente que um motor a combustão.

    O problema dos carros eléctrico são 3:

    1 - Tal como foi explicado aqui caso a frota tda de automóveis passasse a ser elétrica não haveria forma de ser abastecida sem o uso de combustíveis fósseis ou a energia nuclear (que acaba por n ser grande problema)

    2 - As baterias de ioes de lítio são muito caras e pouco duradouras para as necessidades dos automóveis o que por sua vez, faz com que se tenha que troca-las passados 4 ou 5 anos o que aumenta brutalmente o custo do automóvel (por ex uma bateria de 53 kWh custa cerca de 20 mil €)

    3 - As baterias demoram bastante mais tempo a recarregar que um simples depósito de 40 litros (que ainda por cima proporciona muito mais autonomia)

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  2. Nota: o valor de 20 mil € para a bateria de 53 kWh obtive do carro Tesla Roadster, que até hje é o único carro comercial totalmente eléctrico e minimamente viável dado ser um carro de alta gama que compete em preço e especificações técnicas com Porsches e Ferraris, uma filosofia de mercado totalmente diferente destes carros como o Leaf que procuram a classe média e competir com carros como o Polo ou do género

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  3. Caro Guiga,

    Talvez não tenha ficado explícito mas os 0,354 kWh referem-se ao consumo de electricidade que 6litros de combustível consomem para serem refinados. Eu estava a comparar o "consumo eléctrico" de um carro de combustão com um carro eléctrico dado que um leitor me disse que eu estava a ser parcial ao afirmar que o aumento do consumo de energia eléctrica era proporcinal ao aumento de carros eléctricos. Este leitor avisou-me que devia descontar o consumo eléctrico na produção de gasolina e diesel. Só que a refinação de petróleo consome muito pouca electricidade pelo que "fatia" eléctrica no consumo energético de um carro convencional é baixa, os tais 0,354 kWh/100 km

    Sobre o preço das baterias é a própria Nissan que afirma que um conjunto para o Leaf custa €20.000. Segundo sei o Tesla usa baterias de computadores portáteis com um custo mais baixo do que as do Leaf específicas.

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  4. 20.000€ é preocupante! Sabendo que uma bateria contém uma taxa não linear de redução de armazenamento de energia em função das recargas efectuadas e de outros pequenos factores como não recarga total da bateria, etc.

    (de alguns sites podemos ver valores como 500 ciclos - 80% da energia armazenada inicialmente; 1000 ciclos - 60%; 2500 - 25%)

    Ora sabendo que no início a bateria tem uma autonomia de 120 km, calculando por cima, concluímos que aos 60.000 km a bateria terá uma autonomia de 96 km, aos 100 mil terá uma autonomia de 72 km e aos 150 mil (2500 ciclos) terá uma autonomia de 30 km.

    Enfim, gostaria de ter aqui uma tabela estatística de quanto tempo (em anos) demora um uma pessoa que utiliza o carro, no dia a dia, numa cidade como Lisboa, Porto, etc. a efectuar uma soma de 100 mil km. Desconfio que não serão precisos muitos.

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  5. A média europeia é 12.000 km/ano. Acredito que a média dos eléctricos venha a ser inferior dada a menor autonomia. Mas de facto quando se menciona a autonomia dos eléctricos raramente se pensa que a sua autonomia vai diminuindo com a utilização. E agrava-se com os carregamentos rápidos.

    Em todo o caso durabilidade e o preço das baterias é um dos temas mais "quentes" no fórum Nissan Leaf. Entende-se porquê. A perspectiva de, ao fim de 5 ou 7 anos, ter de se despender €20.000 para poder continuar a usar o carro é preocupante.

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