terça-feira, 28 de junho de 2011

Eólica offshore em Portugal

Portugal tem sido um dos países pioneiros no consumo de energias renováveis, particularmente eólica. Actualmente o país tem instalados cerca de 4.000MW de potência eólica. Como os parque eólicos nacionais têm uma factor de capacidade de cerca de 25% todo o conjunto de aerogeradores fica aquém da capacidade de produção de, por exemplo, um reactor nuclear Areva EPR. E claro, ocupam uma área de solo enorme. Esta questão do espaço é um problema da energia eólica, principalmente num país pequeno em área como Portugal. Dado que nem todos os locais são apropriados para a instalação de aerogeradores e que um parque eólico, devido à sua baixa intensidade, ocupa uma grande superfície não é difícil de entender que é um desafio encontrar locais suficientes em território nacional para poder ter uma potência instalada eólica que satisfaça as necessidades de electricidade de base do país.
No julgamento da EDP a solução passa pela exploração dos ventos na nossa costa o que, à partida, faz todo o sentido. Não se rouba espaço em terra, os parques podem ficar perto dos grandes centros consumidores (Lisboa, Porto, Setúbal, Faro). E, acima de tudo, por não existirem obstáculos físicos, no mar o vento sopra mais forte. Com tantas vantagens podemos perguntar porque é que não se começou por explorar a força do vento no mar em detrimento de em terra. Essencialmente porque a produção de energia eólica offshore custa cerca de três vezes a onshore. Mas nem só do ponto de vista económico a eólica offshore é questionável.
Tecnicamente a implantação de turbinas no mar é um desafio muito maior do que em terra. Não só a instalação exige mais meios e tem um custo mais elevado mas também a manutenção posterior do equipamento requer uma logística superior à dos aerogeradores em terra. Estas são questões com que as empresas que já instalaram parques eólicos offshore se depararam. Nomeadamente na Dinamarca que foi o país pioneiro na técnica e que, não surpreendendo, tem a energia eléctrica mais cara da Europa.
Hoje em dia os parque eólicos offshore do mundo estão, basicamente, concentrados no norte da Europa por razões que se explicam facilmente. Os mares do norte da Europa têm profundidades baixas o que permite que a profundidade média a que as turbinas estejam afundadas seja de apenas 11m. A tecnologia de ponta offshore é detida pela Siemens (Alemanha) e Vestas (Dinamarca) com esta última a ser fornecedora da experiência que a EDP vai realizar. Mas fundamentalmente é nos extremos norte e sul do planeta que estão os ventos mais fortes. Isso fica patente neste mapa de ventos da NASA com o inverno do hemisfério norte em cima e o verão em baixo. Pode-se ver claramente que no inverno, quando os países do norte mais precisam de electricidade para aquecimento, que Irlanda, Escócia, Inglaterra e os países nórdicos são atingidos por ventos com intensidades de 1200W/m2, sensivelmente o dobro dos 600 W/m2 da costa portuguesa. E mesmo no verão, quando Portugal mais precisa de energia para arrefecimento, os ventos sopram mais forte no norte da Europa. Esta qualidade dos ventos a norte ajuda a explicar porque é que a maioria dos parque eólicos europeus estão situados nas costas norte da Alemanha, ao largo da Dinamarca e das ilhas britânicas e não no mar Mediterrâneo.


E o projecto da EDP? A EDP pretende instalar uma turbina Vestas de 2,0MW em mar profundo (mais de 50m) sem enterrar a torre no fundo do mar optando, ao invés, por a fazer boiar. A EDP pretende ser pioneira em parque eólicos flutuantes e reafirmar o pioneirismo de um país que não tem nem tecnologia, nem condições de vento para isso.
Não haverá um risco enorme para a EDP nesta aposta? Não Se a EDP conseguir provar nos 12 meses em que vai decorrer a experiência que a pequena turbina de 2MW consegue gerar energia eléctrica. Para os contribuintes portugueses seguramente. À semelhança da energia eólica onshore a industrialização de um parque desta natureza só avançará com forte subsidiação do estado português. A pergunta tem que se colocar ao nível do estado. Para que interessará a Portugal subsidiar um parque eólico offshore num local de águas profundas e ventos fracos? Que interessa a um país pobre estar a fazer experiências em tecnologia não madura com pouca ou nenhuma integração de equipamento e know-how nacional?
O programa de governo do PSD questiona a oportunidade de tanta produção de energia eléctrica em Regime Especial (PRE) no nosso país. O memorando de entendimento da troika assinado pelos três principais partidos portugueses defende claramente o fim das subsidiação às renováveis. Espero que o novo ministro da economia Álvaro Santos Pereira tenha em conta este ponto do memorando Decisions on future investments in renewables, in particular in less mature technologies, will be based on a rigorous analysis in terms of its costs and consequences for energy prices. International benchmarks should be used for the analysis and an independent evaluation should be carried out. Reports on action taken will be provided annually in Q3-2011, Q3-2012 and Q3-2013.” quando tiver à sua frente a pasta do parque eólico offshore.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Uma contradição socialista

Um dos slogans mais exaustivamente apregoados pelo anterior governo socialista foi a diminuição da importação de petróleo como resultado da aposta nacional nas energias renováveis. Trata-se evidentemente de uma falácia grosseira dado que desde há um bom tempo que em Portugal não se consome petróleo para produzir electricidade. É no sector dos transportes que o petróleo tem a sua importância vital como fonte de energia. E, estranhamente ou não, a política portuguesa para o sector não o afastou da dependência do petróleo, ao contrário, acentuou-a. Digo que não é estranho uma vez que diminuir a dependência de petróleo nos transportes e aumentar o peso das renováveis no mix energético são objectivos em grande medida antagónicos.

Como terei oportunidade de demonstrar de forma mais detalhada neste blog, a única forma de substituir, nos transportes, o consumo de petróleo por energia eléctrica é apostando no transporte colectivo eléctrico de consumo imediato, seja ferroviário (metro, comboio e tram) seja rodoviário (trolley bus). E que tem sido feito em Portugal nas últimas duas décadas? Tem-se construído estruturas viárias de forma intensiva a ponto de sermos campeões em quantidade de auto-estradas. E ao mesmo tempo tem-se deixado degradar em qualidade e competitividade a ferrovia não havendo, aparentemente, verbas para concretizar o metro ligeiro do Mondego.


Vem a propósito este artigo do Público em que é noticiado que o anterior governo PS realizou um estudo, à revelia da Refer, que prevê o fecho de quase 800km de ferrovias. A concretizar-se será o maior desde há 30 anos, precisamente a altura em que começou a política do betão e a paixão do país pelas grandes estruturas rodoviárias. Provavelmente o estudo está correcto, muitas linhas férreas não deverão ser economicamente viáveis (seguramente a Refer e a CP não o são no estado actual) mas é inegável que para a irrelevância do transporte ferroviário em Portugal contribuiu decisivamente o desprezo que lhe foi dado.

Voltemos à electricidade. A solução encontrada pelo anterior governo PS para promover o seu uso nos transportes foi, mais uma vez recorrendo à propaganda, incentivar a aquisição do automóvel particular eléctrico por via da subsidiação ou criando uma rede de mobilidade eléctrica que com grande pompa e circunstância foi apresentada como pioneira a nível mundial e com potencial de exportação. Objectivamente um desperdício de dinheiro e um irresponsável "pioneirismo" para um país que devia ter os pés mais assentes na Terra. Quem já viu um carro eléctrico a abastecer num dos inúmeros pontos Mobi.e que avise. 

A verdade é que a vontade do anterior governo em difundir o carro eléctrico visa, na realidade, passar para os privados a dispendiosa montagem de uma rede de armazenagem de energia eólica, principalmente durante a noite. Tudo porque, tipicamente, as turbinas eólicas produzem mais energia durante a noite, nas horas em que existe menos consumo. É o que acontece em Portugal onde tipicamente temos excesso de produção de energia eléctrica durante a noite e défice de electricidade nas horas diurnas.

Da vontade à viabilidade vai um passo gigantesco e, com subsídios ou não, o carro eléctrico não é competitivo nem o será nos próximos anos e nem mesmo os fabricantes prevêem uma grande implementação do mesmo até 2020

Voltamos por isso à minha assunção de que o transporte colectivo eléctrico poderá, pelo menos na próxima década, diminuir a importação de petróleo. Porém temos um problema que ressalvei no começo do post. Os comboios e os metros andam maioritariamente de dia, nas horas em que já somos deficitários de energia eléctrica. Ou seja, o transporte público eléctrico é um problema para a viabilidade das energias renováveis. 

Conclusão, a menos que os futuros governos alterem por completo o paradigma energético nacional, diminuindo renováveis e aumentando transporte público eléctrico, a diminuição da importação de petróleo só será conseguida por abrandamento da actividade económica.

terça-feira, 21 de junho de 2011

O ping-pong de Merkel

Esta estória caricata começa a 6 de Outubro de 2010, há menos de 9 meses, quando a Chanceler alemã Angela Merkel anunciou o prolongamento da vida das suas 17 centrais nucleares, contrariando uma decisão anterior de acabar com a energia nuclear na Alemanha até 2022. A notícia irritou algumas franjas da sociedade alemã nomeadamente grupos ambientalistas. Avançemos no tempo até 27 de março de 2011, 16 dias após o sismo/tsunami japonês. Tão pouco tempo passado sobre o acidente na central nuclear de Fukushima a que se somou a contestação que já vinha desde Outubro ditou uma pesada derrota eleitoral dos democratas cristãos alemães em favor do partido dos verdes.

Os conservadores alemães tinham de reagir e a decisão surgiu cerca de dois meses depois quando Merkel voltou atrás e decidiu manter o fecho das centrais nucleares em 2022. Não vamos ter ilusões, a decisão não foi técnica ou reflectida, foi uma pura manobra política para recuperar votos. 2022 é uma eternidade num calendário político. Se a resolução de Outubro de 2010 durou dez meses quanto tempo durará esta? Pela minha parte não acredito que muito tempo, prescindir da energia nuclear é algo de sério e que a Alemanha nunca poderá levar a cabo sem provocar feridas profundas na sua indústria e no seu ambiente. O bom senso vai prevalecer como já o Japão está a dar mostras de estar a ter. Mais, Merkel disse que abandonará a produção nuclear sem importar energia atómica de França ou a incrementar a emissão de gases de efeito de estufa.

Uma coisa é falar outra bem diferente é fazer e vozes mais ponderadas e avisadas não tardaram a evidenciar que esses objectivos serão inconciliáveis. À cabeça, as metas colocadas pela União Europeia para 2020 conhecidas como "20-20-20" - 20% de quota de renováveis na produção-20% de emissão de gases de efeito de estufa tendo como referência 1990-20% de aumento de eficiência energética não serão alcançados. É estimado que se todas as centrais nucleares alemãs fecharem o país vai aumentar a emissão de CO2 no valor de 100 milhões de toneladas e ficar acima das suas metas ambientais para 2020 em cerca de 380 milhões de toneladas. É utópico substituir as 17 centrais nucleares por aerogeradores e paineis solares e mais centrais a carvão e gás terão de ser edificadas. No que toca a apostar em renováveis a Alemanha pode esquecer o solar pois o país não é reconhecido pelos seus dias de sol intenso. O grosso da produção renovável vai ter mesmo de recair sobre a eólica.

Grande parte da indústria e das centrais nucleares está situada a sul junto das cidades de Munique e Estugarda mas infelizmente, e ao contrário de uma central nuclear, uma turbina eólica produz mais ou menos consoante o local onde está situada. Acontece que o vento sopra mais forte no mar e em latitudes mais a norte por isso o Mar do Norte é a melhor localização para instalar novos parque eólicos. Até porque Alemanha não é virgem na utilização de turbinas eólicas e como é uma fonte de energia de baixa densidade (pouca produção por área de terreno) os melhores locais onshore já estão ocupados. Se o plano for levado adiante é preciso construir novas redes de alta tensão, uma medida capaz de gerar quase tantos ódios quanto as centrais nucleares.

A Alemanha não vai precisar de investir enormemente na sua rede eléctrica apenas para transportar energia do Mar do Norte para as indústrias do sul. Devido a, longe de ser virgem, ser uma das campeãs mundiais de integração de energia eólica e solar no seu mix energético (cerca de 17% de quota)  o investimento em mais eólicas levará esta quota a aproximar-se ou superar os 25%. Muitos especialistas consideram ser o limite até ao qual uma rede eléctrica consegue absorver a intermitência das renováveis. Uma dúvida que os alemães poderão vir a desvendada com frequentes blackouts.

Ainda que a rede suporte a intermitência da eólica/solar coloca-se evidentemente o problema da armazenagem da energia que é produzida nas horas erradas, sem controlo. Não só um grande desafio técnico como também um avultado investimento em equipamentos.

Como se constata, ainda não passaram dois meses e já se começa a perceber que acabar com a energia nuclear na Alemanha para além das nefastas consequências ambientais é um enorme desafio técnico e a requerer enormes desvios de recursos financeiros.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O não italiano

No passado dia 13 de Junho os italianos disseram em referendo que não queriam voltar a ter centrais nucleares no seu território. Relembre-se que a Itália abandonou a energia nuclear em 1990 na sequência de outro referendo que os italianos foram chamados a participar em 1987 na sequência do acidente de Chernobyl. E quando digo que Itália prescindiu da produção de energia nuclear não significa que tivesse deixado de a consumir pois, à semelhança de outros países europeus, Itália é cliente da energia nuclear francesa. As importações de energia nuclear do outro lado dos Alpes para Itália atingem cerca de 10% do consumo transalpino. O que dá muito jeito a Itália pois se a energia produzida na bota da Europa é das mais caras do Velho Continente a francesa é a mais barata.

Em 2008 começaram a levantar-se vozes contra a irracionalidade do abandono do nuclear em Itália. O Ministro da indústria Claudio Scajola estimou em €50 mil milhões o prejuízo infligido ao país com a ausência do nuclear e propôs a construção de 10 centrais nucleares até 2025. A 24 de Fevereiro de 2009 foi estabelecido um protocolo entre franceses e italianos para que os primeiros transferissem algum do seu know-how no nuclear para os segundos e para que se começasse a planear a instalação de quatro reactores nucleares da mais recente geração EPR da francesa Areva.

Com o não expressivo dos italianos no referendo de 13 de Junhos todos estes planos ficaram congelados. É difícil dizer até que ponto o não foi dado à energia nuclear ou a Silvio Berlusconi. Os italianos deviam separar as águas. Com um crescimento médio do PIB anualizado na última década de 1,23% (face aos 2,28% da média da EU) e uma dependência energética do exterior a superar os 80% os italianos deviam pensar que existe vida para além de Berlusconi. A energia nuclear afigura-se estratégica para que o país da massa recupere competitividade económica e maior independência energética.

domingo, 19 de junho de 2011

Gás natural de xisto

Os avanços nas técnicas de perfuração vertical e horizontal permitiram, desde há uns anos a esta parte, um boom na prospecção de gás natural em subsolo xistoso. A técnica está de tal forma avançada, principalmente nos EUA, que a matéria prima tem um preço um preço bastante concorrencial o que está a colocar em marcha uma nova revolução nas fontes de energia.

Esta nova fonte de gás natural vem trazer novas perspectivas para o redesenho do mix energético de muitos países. Positiva, se se concretizar, é o gás de xisto promover o abandono progressivo do carvão enquanto combustível fóssil mais relevante para produção de energia no mundo. Apesar de os dois serem poluentes o carvão é francamente mais penalizador para o ambiente do que o gás natural. Evidentemente, no reverso da medalha, a abundância de gás de xisto, também poderá protelar uma maior aposta em energias renováveis e nuclear.

Outra virtude do gás de xisto é a sua equitativa distribuição na Terra graças à estimativa de reservas um pouco por todo o mundo, nomeadamente no centro da Europa. Para muitos países ocidentais a presença de gás de xisto no seu subsolo abre excelentes perspectivas de investimento, crescimento económico e tecnológico. Mas, acima de tudo, maior independência energética face, muitas vezes, a nações politicamente instáveis.

Na minha opinião, para Portugal, o surgimento de gás de xisto é uma excelente notícia. Portugal vai precisar de diminuir, com a brevidade possível, o excessivo peso da energia eólica no seu mix energético. Vai também ter de reformar a central a carvão de Sines dentro dos próximos dez anos. E terá de compensar o natural encerramento de parques eólicos quando terminarem as tarifas feed-in. Mais, se houver retoma económica e crescimento a partir de 2013, vai ter maiores necessidade de consumo eléctrico. Resumindo, nos próximos dez anos o país vai ter de instalar uma considerável capacidade de geração de energia eléctrica.

As centrais a gás são a receita perfeita para o fazer. Implicam menos investimento e são mais céleres na sua construção do que uma central nuclear. Se se confirmar a existência de reservas de gás de xisto no Algarve o país terá combustível para alimentar essas centrais.

Nos próximos 20 anos estas novas centrais a gás poderão colmatar, com a sua flexibilidade, o fecho da central a carvão e de parques eólicos. Entretanto o país deve criar know-how e mão-de-obra em energia nuclear e desenvolver, em conjunto com Espanha, um programa coordenado de contrução e exploração de novas centrais nucleares de 4ª geração.

De 2030 em diante Portugal pode (e deve) assentar a produção de electricidade de base em duas ou três centrais nucleares a que se somará a energia produzida nas barragens e nos parque eólicos. Às centrais a gás será pedido que amorteçam a intermitência das renováveis e compensem a paragem ocasional das centrais nucleares para reabastecimento de combustível.