sábado, 30 de julho de 2011

Radioactividade em Fukushima

Diagrama de fontes de radiação
Se existe conceito que tem tanto de desconhecido como de repugnante para a maioria das pessoas é a radioactividade. Entende-se este temor pelo facto ser algo intangível ou observável a olho nu. Não seria tão assustador se fosse mais facilmente entendível ou com "rosto" conhecido. O tema radioactividade, no entanto, raramente aparece sozinho. Quando esta é mencionada vêm normalmente associadas energia nuclear ou bomba atómica, não se fazendo muitas vezes a distinção entre elas. A principal razão para esta diabolização da energia nuclear que ocorre nas sociedades é o bombardeamento, ao longo de muitos anos, de ideias desonestas sobre radioactividade decorrente de acidentes em centrais nucleares. Ideias veiculadas por grupos ambientalistas e/ou de extrema-esquerda que nunca saíram do período da guerra fria ou que querem prevenir a todo o custo o desenvolvimento económico e social das nações. Para muitas pessoas, certamente a maioria dos portugueses, a radioactividade é a razão pela qual recusam determinantemente admitir a fissão nuclear como solução para produção de electricidade.

A unidade de medição de radioactividade é o Sievert (Sv) e esta, pasme-se, está por toda a parte. Nós estamos constantemente em ambientes com maior ou menor nível de radiação. Este quadro recorre a muitas fontes para catalogar e comparar eficazmente os níveis de radioactividade em diversas situações ou actividades humanas. Repare-se como comer uma banana nos expõe a 1 microSv ou fazer uma radiografia a um dente pode fazer com que o nosso corpo absorva mais 5 microSv. Para a maioria das pessoas, para além da radiação de fundo natural que absorvem por simplesmente estarem no planeta Terra (cerca de 85% do total), as sobrexposições a radiação mais comuns acontecem quando fazem um raio-x num hospital ou voam de avião. Existem profissionais que, pela natureza das actividades, estão mais sujeitos a absorver radiação, caso de pilotos de avião ou mineiros.

Outros profissionais que podem estar sujeitos a doses de radiação acima da média são os funcionários de centrais nucleares pelo que este sector tem regras de conduta muito apertadas para garantia da sua saúde. Um trabalhador de uma central nuclear é obrigado a transportar constantemente consigo um medidor cumulativo de radioactividade ou a vestir equipamento apropriado de inibição de absorção de radiação para trabalhar. Sempre que abandona o posto de trabalho, tem de passar por um medidor de radiação. Se a acusar no corpo tem de tomar tantos duches quanto forem necessários para não contaminar nada no exterior da central.

Ficou a saber-se recentemente que em Abril as autoridades japonesas estimaram que 1600 trabalhadores do complexo de 6 reactores nucleares em Fukushima Daiicho possam ter estado expostos a elevadas doses de radiação. Por elevadas doses de radiação entende-se um valor anualizado de 50 mSv (1 mSv = 1.000 microSv) que se equipara a fazer 2.500 raios-X ao peito ou 1.200 voos Lisboa-Rio de Janeiro. Este valor é reconhecido internacionalmente e é o limite imposto em vários países a trabalhadores em centrais nucleares, nomeadamente nos EUA. No Japão esta classe profissional está limitada a 100 mSv/ano que é considerada a fronteira de exposição a partir da qual pode haver aumento de risco de cancro. Em situações excepcionais, como foi o acidente que ocorreu em Fukushima Daiichi, o limite máximo permitido é de 250 mSv/ano, ou cinco vezes o limite internacional. De acordo com o artigo da TIME menos de 420 trabalhadores estiveram sujeitos a radiação acumulada superior a 50 mSv/ano e em apenas seis os medidores individuais têm um registo superior a 250 mSv/ano.Um valor elevado mas que ainda assim fica aquem dos 1.000 mSv considerados o mínimo a partir do qual é possível ter sintomas agudos por elevada exposição a radioactividade. O valor fatal é de uma ordem de grandeza superior, entre 8.000 e 10.000 mSv ou 10Sv. Não houve por isso, até agora, registo de mortes agudas como consequência da radioactividade. Dois trabalhadores morreram vítimas do tsunami e, mais recentemente, um terceiro trabalhador faleceu subitamente no seu segundo dia de trabalho na central. É muito pouco provável que, numa altura em que os níveis de radioactividade estão bastante mais baixos e estáveis, venha a falecer alguém em consequência directa de radiação absorvida. Poderá ocorrer um ligeiro acréscimo de incidência de cancro na meia dúzia de operários mais expostos. Essa evidência será, no entanto, difícil de estabelecer. Em Chernobyl que teve níveis de radioactivade muito mais elevados e mobilizou muito mais pessoas para neutralizar o reactor explodido não houve um aumento mensurável de casos de cancro atribuível ao acidente.

Neste momento o valor médio de radiação natural medido na cidade de Fukushima (a cerca de 50 km da central de Fukushima Daiicho) é de 1,26 microSv/hora o que equivale a 11 mSv num ano, como se pode verificar aqui. Este valor é cerca de quatro vezes mais elevado que a média mundial de 2,5 mSv/ano. Em Portugal estamos expostos a uma radioactividade natural média de 4 a 5 mSv/ano com certas zonas a atingirem 10 mSv/ano. Na Europa existem locais que atingem os 50 mSv/ano e o local que regista maiores medições é Ramsar no Irão com 260 mSv/ano. Daqui se afere que viver em Fukushima neste momento não é mais perigoso para a saúde do que em algumas zonas de Portugal e da Europa.

Existem pessoas cujos hábitos ou profissões as colocam em situações mais susceptíveis de apanhar radiação. Um tripulante de companhia aérea sofre uma sobrexposição de 9 mSv/ano o que permite concluir que uma hospedeira que viva em Portugal vai absorver mais radiação nos próximos doze meses do que o típico habitante vizinho da zona de exclusão da central nuclear japonesa.

Mapa com zona de exclusão de Fukushima
Já se sabe que fumar é mau para a saúde. Em termos de radiação fumar 30 cigarros diariamente traduz-se em cerca de 16000 mrem/ano ou 160 mSv/ano. Estes valores permitem concluir que um fumador português vai estar sujeito a maiores doses de radiação em 2011 do que o operário médio da central de Fukushima Daiichi. E ainda que para o fumador a exposição seja mais equitativamente distribuída no ano os efeitos da radiação são cumulativas pelo que as consequências para a saúde serão semelhantes.

Apesar do destaque que o acidente na central nuclear de Fukushima tem tido na imprensa mundial apenas duas das 25.000 vítimas do tremor de terra e tsunami que atingiu a costa leste japonesa a 11 de Março ocorreram dentro das instalações. Apesar de todos os fantasmas e de todas as bandeiras que apareceram nos últimos meses, o maior impacto que este acidente teve até agora na sociedade japonesa foi na vida dos milhares de desalojados que viviam na zona de exclusão de 20 km em redor do complexo.

Imagino alguém perguntar, então e os trabalhadores da central expostos a elevadas doses de radioactividade? Como disse atrás, pode acontecer, mas não é inevitável, verificar-se um pequeno aumento de casos de cancro nos 6 ou 10 funcionários mais expostos.

O complexo da central de Fukushima Daiichi com seis reactores nucleares de segunda geração é dos mais antigos do Japão com tecnologia e construção dos anos 70 do anterior século. E foi atingido por um tsunami de 14 metros de altura, o maior que o Japão sofreu na sua história moderna. Se os reactores fossem da actual terceira geração como o EPR da Areva ou o AP1000 da Westinghouse que tem quatro sistemas independentes de arrefecimento o acidente nunca teria ocorrido. Se a central fosse construída hoje teria meios de resistir ao tsunami. A história humana é marcada por falhas e desastres que servem de guia para futuros desenvolvimentos. É assim a tecnologia humana e a energia nuclear não foge à regra.

Mas que alternativa tem o Japão? Fontes renováveis? O conjunto de ilhas do Japão é uma ilha eléctrica ao contrário da Dinamarca. Tal como a Austrália, o Japão não tem recursos hídricos para armazenar energia eólica em grande escala. Por estas razões as centrais nucleares japonesas só podem dar lugar a centrais termoeléctricas tal como se comprova nesta notícia. Ao contrário das centrais nucleares, as centrais temoeléctricas emitem indiscriminadamente para a atmosfera gases nocivos para a saúde pública. E também radiação no caso de se usar carvão como combustível. Uma central a carvão em operação produz três vezes mais (0,3 microSv) de radiação do que uma central nuclear (0,09 microSv). Seguramente, o mais prolongado e violento impacto que Fukushima poderá ter na saúde do povo japonês é se este acidente conduzir ao fim da energia nuclear no país.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

A moda das renováveis


Definitivamente os vídeos-recado a enaltecer as virtudes nacionais estão na moda. Este tem a intenção de dar uma bofetada à Agência de notação Moody's. Como era expectável, nem é preciso esperar um minuto (0:56s), para se fazer a promoção da nossa liderança na integração de fontes renováveis no sector eléctrico. De há uns anos para cá as energias renováveis são um orgulho nacional. Então desde que o NY Times publicou este artigo tornou-se um assunto que reúne praticamente consenso entre os portugueses.

Claro que, para quem percebe alguma coisa do fenómeno da produção eólica em Portugal, a única coisa verdadeiramente assinalável que consegue ver em toda esta evolução foi o extraordinário trabalho de propaganda dos sucessivos governos que tivémos nos últimos 15 anos.

De resto a aposta portuguesa na energia eólica é um paradigma das falhas que trouxeram o país até ao estado actual e, em última análise, chamaram a atenção das agências de rating. Como tenho mostrado, e continuarei a fazer neste blog, a energia eólica portuguesa ilustra cabalmente a falta de planeamento, visão, estratégia e até de bom senso que tanto nos caracteriza enquanto povo.

Ser necessário apontar a eólica como uma das grandes realizações nacionais num filme que dura apenas 2min devia apelar à reflexão e não ao júbilo.

Mas não é só a eólica que merece reparo. Oito segundos depois, aos 1:02, já se deixa no ar o novo orgulho nacional: a mobilidade eléctrica, o Mobi.E.

Outro excelente exemplo da moda das renováveis está patente na imagem ao lado. Esta é uma página de um documento em powerpoint sobre as indústrias de sucesso portuguesas que andou a correr e-mails. Naturalmente uma das qualidades promivda é a integração de energias renováveis na rede eléctrica. No texto é dito, como se daí viesse riqueza e progresso, que Portugal está a construir a maior central solar da Europa e que a eólica é alvo de enormes investimentos. É pena que o texto não continue e revele que, quer solar quer eólica, beneficiam de enormes subsídios do estado e que só assim se justificam estas apostas.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Acidentes nucleares no Canal Odisseia

Na próxima segunda-feira, 01 de Agosto o Canal Odisseia passa dois documentários sobre os maiores acidentes nucleares da história.

Entre as 5h30 e as 7h é mostrado "A Batalha de Chernobyl" e entre as 7h e as 8h "Fukushima: Tsunami Nuclear".

Os dois programas voltam a repetir às 14h30 e 16h respectivamente.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Preços no mercado ibérico de electricidade

No post que coloquei sobre o impacto da energia eólica no desequílibrio do sector eléctrico dinamarquês alguns leitores contestaram a afirmação de que, quer a Dinamarca quer Portugal, se viam obrigados a exportar electricidade ao custo mínimo de mercado, respectivamente €0/MWh no mercado ibérico e €-26/MWh no mercado escandinavo.

Como a produção eólica é maior no Inverno e durante a noite fui pesquisar desde o começo deste ano e encontrei rapidamente dois bons exemplos que ilustram aquilo que referi.

06/Janeiro/2011
Este primeiro gráfico da REN mostra a produção a partir de fontes renováveis durante esse dia
O segundo, também da REN, mostra o fluxo de importação/exportação  no mesmo dia. Reparem que a exportação durou as primeiras 8h do dia (hora portuguesa) e houve importação durante o resto do dia.


Este terceiro gráfico da  OMIE, regulador do mercado ibérico (horário espanhol), mostra o preço a que se fizeram estas transferências. Reparem como o preço cai abruptamente no começo da noite e mantém-se quase nulo até Portugal começar a importar energia eléctrica às 8h da manhã (9 horas em Espanha). Relembro que, mesmo quando Portugal vendeu electricidade a €40/MWh, pagou aos produtores eólicos entre €75 e 95 MWh. Esteve sempre em prejuízo.


08/Janeiro/2011
Dois dias depois a situação ainda foi mais expressiva. A exportação aconteceu entre a meia-noite e as 17h.

Com tanto excesso de electricidade no mercado inevitavelmente quase toda ela foi exportada a preço zero ou próximo disso. Claro que a importação aconteceu a preços muito mais elevados.

Gás natural é fonte renovável?

Ainda que algumas figuras políticas sejam de opinião contrária, a actual vontade política japonesa, nomeadamente a do seu primeiro ministro Naoto Kan, é a de substituir a produção eléctrica atómica do país por fontes renováveis. Mas, tal como na Alemanha, a eliminação da energia nuclear no Japão obrigará forçosamente à construção de centrais termoeléctricas. Foi anunciado recentemente a intenção de se construir uma central a gás natural de 1.000MW de potência na baía de Tóquio. Continuo a achar, como no caso da Alemanha, que o Japão, assim que passar o alarmismo infundado em redor de Fukushima Daiichi, admitirá que não existe alternativa viável, ou rentável, ao fecho das suas centrais nucleares. A troca dos reactores nucleares por queimadores a gás ou carvão terá, como consequência, o aumento da dependência japonesa do gás natural russo e um previsível aumento de doenças respiratórias e cancro pulmonar.

Paradoxo dinamarquês

Esquema de uma central CHP a gás natural
Na integração de energia eólica no fornecimento de electricidade a Dinamarca é recordista mundial pois o vento tem um peso de 20% no seu mix produtor. O resto vem da queima de carvão (50%) e gás natural (20%) em eficientes centrais de cogeração de electricidade e aquecimento (CHP) de grande e média dimensão. Os restantes 10% são provenientes da biomassa, petróleo e queima de lixo. Apesar de se arvorar um exemplo no respeito pelo meio ambiente a Dinamarca depende essencialmente de combustíveis fósseis para a produção de energia eléctrica pelo que é dos países da Europa com maior emissão de GEE por kWh produzido.

Esta poluição não tenderá a ser resolvida tão cedo dado que o país não dispõe de recursos hidroeléctricos e recusa-se, desde 1985, a explorar a energia nuclear. Isto apesar do físico Niels Bohr ser dinamarquês e de a Dinamarca ter tido em funcionamento três reactores nucleares para investigação tal como Portugal tem um em Sacavém. A recusa do nuclear levou a Dinamarca a virar-se para o vento o que não deixa de fazer, à partida, algum sentido. A Dinamarca é dos países no planeta com melhores condições de vento como se pode atestar no mapa abaixo. Desta forma tornou-se numa das nações pioneiras na pesquisa e desenvolvimento de turbinas eólicas e a ter aquela que era, até aos chineses começarem a dominar este mercado, o maior produtor mundial de turbinas eólicas, a Vestas. Neste aspecto, infelizmente, o contraste com o caso português é total. 
Mapa de ventos da Europa (m/s)

A Dinamarca pode ser recordista na produção relativa de energia eólica (6.9 TWh em 2009) mas menos certo é que toda essa energia seja consumida no país. Apesar das excelentes condições de vento de que goza, os parques eólicos dinamarqueses têm uma fraca performance com um factor de utilização médio inferior a ¼. Ainda assim, um estudo da CEPOS defende que, em média, apenas metade da produção eólica dinamarquesa é gasta dentro de fronteiras, o resto é exportado essencialmente para a Noruega e Suécia que dependem em grande parte de centrais hidroéléctricas (Noruega - 99% e Suécia - 45%) e menos para a Alemanha e Holanda. A Dinamarca foi muito feliz em ter vizinhos escandinavos com estas características dado que de outra forma não lhe seria possível ter tanta potência eólica instalada.  Pela sua flexibilidade de arranque/paragem, capacidade de operar a regimes intermédios sem grande perda de eficiência e possibilidade de bombagem com consumo eléctrico, as barragens são a forma mais eficaz de armazenar energia eólica em excesso. É exactamente por esta razão que Portugal decidiu avançar para a construção de novas barragens e reforço de potência de outras. E também a razão, por não dispor dos mesmos meios, que não vejo como a Austrália possa almejar uma percentagem tão elevada de potência renovável.


A Dinamarca já tem uma potência eólica instalada (cerca de 3.500MW) que quase iguala o seu consumo eléctrico de pico invernal (3.800MW) e ultrapassa largamente o vazio de verão (1.700MW). Devido à intermitência da energia eólica e à prioridade que lhe é dada na rede eléctrica (tal como em Portugal) não são poucas as vezes que a Dinamarca tem de exportar excesso de energia eólica. O problema ainda é agravado por a energia eólica ser mais abundante durante a noite (períodos de vazio) em que há menores necessidade de consumo. Ao longo do ano a produção eólica também se intensifica no inverno, quando as centrais termoeléctricas dinamarquesas não podem reduzir o seu funcionamento tanto quanto seria desejável para compensar. Isso acontece porque estão obrigadas a cumprir a sua outra função de fornecimento de vapor para aquecimento das comunidades. Embora seja difícil determinar com exactidão que percentagem da energia eléctrica dinamarquesa exportada vem de que fonte é inegável que é a imprevisibilidade da sua produção que causa a necessidade de enviar excesso além fronteiras. Evidência disso mesmo é a decisão do regulador do mercado eléctrico escandinavo - Nordpool - em baixar, em Outubro de 2009, o preço base da electricidade para -26€/MWh. Ou seja, acontece a Dinamarca ter de pagar aos seus vizinhos para receberem a sua energia eléctrica.

Outro estudo, desta feita realizado pela CEESA, vem contrariar a avaliação da CEPOS e garante que menos de 1% da produção eólica é exportada. Este paper mostra que se a exportação de energia aumenta com o aumento de produção eólica, como a CEPOS demonstra, também acontece com o aumento da produção termoeléctrica. Só que nas páginas 12 e 13 do documento fica claro a diferença de situações. Enquanto que a exportação de energia eólica é imposta, o seu driver é o excesso de oferta, a exportação de energia termoeléctrica tem como driver o preço. O paper mostra duas situações em que as concorrenciais centrais CHP aumentaram deliberadamente a produção para exportarem energia a preços convidativos.

A exportação de energia eólica acarreta um pesado peso económico para os contribuintes dinamarqueses e não apenas por parte dela acontecer em horas de vazio e por isso a preços mais baixos (ou mesmo negativos). A energia eólica dinamarquesa é subsidiada, como em todos os países do mundo, por tarifas feed in que variam entre os €67 e os €81/MWh (semelhante aos €75 a €95 portugueses) quando o preço spot médio do mercado anda pelos €40/MWh. Para além de criar uma distorção no mercado tal significa que a Dinamarca está na prática a financiar a electricidade norueguesa, sueca e alemã. Se economicamente não se entende a vantagem desta aposta, ambientalmente tão pouco uma vez que quase toda a electricidade importada pela Dinamarca vem da Noruega ou Suécia. E a electricidade nestes países têm origem hídrica (Noruega) ou hídrica e nuclear (Suécia), ambas fontes isentas de emissão de GEE.


Estes factos passam ao lado da maior parte dos eleitores dinamarqueses e, aparentemente, também dos decisores. A Dinamarca tem como meta produzir, em 2025, 50% da sua energia através de fontes renováveis (leia-se vento). Este aumento de capacidade virá em grande parte de parques offshore longe da costa uma vez que os dinamarqueses não querem mais turbinas no seu horizonte visual. Novas linhas eléctricas terão de ser construídas. Previsivelmente os custos não estão contabilizados.


Mas a questão de fundo que se coloca é a forma como o país irá absorver e armazenar tanta energia já para não falar de que forma e a que custo a rede irá gerir as variações de carga. É discutível que os países vizinhos tenham capacidade de importação destes 30% de energia eólica suplementares até porque também eles estão a construir parques eólicos e portanto terão de absorver a intermitência da sua própria produção.

A CEESA propõe:
1. Substituição da produção de vapor para aquecimento feita nas centrais termoeléctricas por heat pumps eléctricas que usam a energia eólica excessiva para armazenam vapor para posterior distribuição. Resta saber com que eficiência e custo um sistema destes resultará.
2. Substituição do parque automóvel de combustão interna por eléctricos, uma medida que a Dinamarca está a subsidiar fortemente mas que, tal como em Portugal e no resto do mundo, não tem tido grande adesão dos consumidores.
3. Produção de hidrogénio também é vista como uma possibilidade para armazenar energia eólica excedentária. A maior parte destas soluções carecem de confirmação da viabilidade técnica já para não falar da oportunidade económica.


O caso dinamarquês é exemplificativo dos desafios e custos que a integração de uma grande quantidade de energia eólica acarreta. Não estranha por isso que a electricidade dinamarquesa seja a mais cara do mundo. Portugal devia olhar e reflectir com o exemplo dinamarquês pois ao trilhar um caminho semelhante irá debater-se com os meus entraves e tem ainda a agravante de por ser um país mais pobre e por isso mais susceptível aos danos de uma energia eléctrica cara. Embora as nossas barragens amorteçam alguma exportação nacional a verdade é que já se assiste actualmente à venda de electricidade a Espanha, normalmente em períodos de vazio e baixo valor de mercado, e à importação em alturas de carga e valores elevados.


Extrapolando para a Europa parece-me óbvio que a construção de uma rede eléctrica transeuropeia inteligente poderá integrar melhor o excesso de energia eólica dos países que já a têm (Dinamarca, Espanha, Alemanha ou Portugal) mas de forma alguma deixa a ideia que a Europa no seu conjunto conseguirá, num horizonte próximo, que mais de 20% da electricidade consumida venha de fonte eólica.

sábado, 23 de julho de 2011

A taxa sobre o nuclear alemão

A decisão tomada no ano passado na Alemanha de prolongar a vida útil das centrais nucleares foi acompanhada pela introdução de uma taxa compensatória que estas tinham de pagar para financiar o reforço da presença de energia renovável no país. Com a recente revogação dessa decisão por parte do governo alemão os exploradores das centrais estão a exigir, justificadamente, o término dessa taxa. A somar a isso as proprietárias das 7 centrais nucleares, entretanto paradas em resposta ao acidente japonês, já avisaram esperar do governo alemão compensações pela perda não prevista de venda de electricidade à rede.

terça-feira, 19 de julho de 2011

A falácia da energia eólica

Compilei nesta tabela dados de emissão de gases de efeito de estufa (GEE) do sector eléctrico (valores de 2009 retirados da EEA - European Environment Association) e comparei com os dados de produção de energia eléctrica (dados 2008 do Eurostat) para obter a emissão de GEE de quatro países comunitários. Acrescentei ainda os preços ao consumidor nestes quatro países (dados Eurostat 2011) e o peso do carvão no mix energético.

CO2-e (1000ton)Produção eléctrica
(GWh)
Emissão CO2-e (g/kWh)Preço electricidade (€/100kWh)Peso carvão no mix
Portugal196505363536616,6620%
França6055753902211212,890%
Dinamarca239973922761227,0850%
Alemanha34360758940258324,3860%
Alemanha (sem nuclear)448607589402761*65-85%**
* admitindo que a ausência de nuclear é compensada por um mix 50-50 de carvão e gás (750g/kWh)
**a percentagem de carvão dependerá de quanto se construir de centrais a carvão, gás natural e parque eólicos

Mesmo admitindo que ao comparar anos diferentes para as várias colunas haja um pequeno desvio no resultado final face ao real, as proporções são suficientemente díspares para se poderem tirar conclusões:

Conclusão 1 - A energia eólica não é comercialmente competitiva
Portugal ainda consegue mascarar um pouco a realidade dado que por cá se cobra apenas 6% de IVA sobre a electricidade (para além do défice energético que o país acumula) mas a diferença de preço da electricidade entre os três países ´"verdes" e França é inegável. A explicação para isso está naturalmente na forte aposta em energia eólica que estes três países fizeram. Para os preços mais elevados na Dinamarca e Alemanha também contribuem decisivamente os dispendiosos parques eólicos offshore que estes países possuem.

Conclusão 2 - O conceito de energia de base eólica com a tecnologia actual é utópico
Apesar de a Dinamarca e a Alemanha reivindicarem serem modelos de sustentabilidade ambiental e serem os países mais empenhados na integração de energia eólica no seu mix energético os números mostram uma realidade bem diferente. Qualquer um deles depende fortemente do carvão para produzir a sua electricidade de base.

Se existem países com capacidade para explorar a energia eólica são estes dois pois têm das melhores condições de vento, economias ricas com disponibilidade para investimento e know-how em turbinas. Se nem a Dinamarca nem a Alemanha, apesar de todo o seu empenho e recursos, conseguem impor a energia eólica como fonte de energia de base não sei que outro país no mundo o conseguirá.

Ao contrário, a energia de base nuclear é uma realidade testada e provada. No gráfico abaixo está patente a forma como, em menos de duas décadas, a França abandonou o carvão para a produção da sua energia eléctrica. Hoje em dia a França tem das energia eléctricas mais baratas da Europa e um dos mais baixos níveis de emissão de GEE no sector eléctrico.




Conclusão 3 - A energia nuclear é limpa
Mesmo comparando simplesmente eólica vs nuclear no que toca a emissão de GEE por unidade de energia produzida o nuclear ganha. A vitória do nuclear advém da eólica ter uma baixa densidade de produção energética e a construção e instalação das enormes turbinas acarretar libertação de GEE. Mas como se percebe a energia eólica sozinha não existe e na prática um país que opte por energia renováveis assenta a produção de energia de base noutras fontes de energia (hidroeléctrica no caso português; termoeléctrica mais poluidora nos casos dinamarquês e alemão). É impressionante e esclarecedor que se a Alemanha abandonar a energia nuclear cada kWh produzido lançará sete vezes mais de GEE do que as centrais nucleares em França.


Bill Gates fala sobre o futuro da produção eléctrica

Bill gates fala sobre as soluções para o futuro da produção eléctrica e apresenta o projecto que está a apoiar pessoalmente, o reactor Terrapower.

Bill Gates on energy: Innovating to zero! | Video on TED.com

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A infância do nuclear

Um dos propósitos deste blog é destruir ideias erradas em redor da energia nuclear. Ideias criadas por correntes de pensamento contrárias ao desenvolvimento humano e enraizadas por uma imprensa débil em capacidade analítica e técnica. Portugal é um país particularmente permeável a interiorizar falsidades científicas sem contestação dada a pouca atracção que os portugueses têm pelas disciplinas técnicas. Ainda para mais um assunto tão remoto e desinteressante como a energia nuclear. Facto é que o tema nuclear é tabu em Portugal, embora eu ache que os portugueses são acima de tudo NIMBY (Not In My Back Yard) e não anti-nuclear, uma posição que tem muito mais de comodismo que de rigor técnico (mas esse debate fica para outro post). Este post serve para desmistificar duas ideias correntes entre a população portuguesa mas que chocam gritantemente com a realidade dos números:

Ideia 1: A energia nuclear é usada excepcionalmente em alguns países
Na mapa-mundo da figura surgem a azul escuro os países que têm centrais nucleares e estão a construir novas centrais e a azul claro os que têm energia nuclear e estão planear novas centrais. A amarelo os que têm centrais nucleares e não planeiam novas e a vermelho aqueles que têm e planeiam abandonar. Ou seja, em quase todo o mundo desenvolvido com excepção de alguns países como Portugal, Dinamarca ou Austrália o nuclear faz parte do mix produtor de energia eléctrica. Os portugueses não têm noção mas a posição dominante na nossa sociedade face à energia nuclear não é partilhada por quase todos os países mais ricos, desenvolvidos e esclarecidos do que nós. A ausência de energia nuclear só é norma nos países africanos.

Ideia 2: A energia nuclear está a ser descontinuada
Desde há algum tempo, é uma ideia corrente que a energia nuclear tem os dias contados. Ultimamente tornou-se mais popular em virtude das decisões políticas italiana, suíça e alemã. Mas é uma ideia errada desmentida pelos números. Mesmo com a paragem de algumas centrais no Japão e Alemanha em virtude de Fukushima e de todos os testes que se têm levado a cabo posteriormente, existem 440 reactores nucleares a funcionar no mundo. Eles fornecem 14% da energia eléctrica consumida globalmente. Dentro de alguns anos este número irá subir para 500 quando estiverem concluídos os 60 reactores em construção/remodelação. Apesar do acidente em Fukushima ter parado alguns projectos/estudos existem mais 154 projectados para entrar em funcionamento dentro de 10 anos. E a World Nuclear Association prevê a entrada ao serviço de mais 343 reactores até 2030, talvez uma previsão demasiado optimista. Números redondos, a quantidade de reactores nucleares poderá quase duplicar nos próximos vinte anos. Nessa altura já estarão em operação os reactores de 4ª geração que irão resolver o grande problema das centrais nucleares, os resíduos radioactivos.

Esta expansão da energia nuclear está bem patente no mapa em que o azul corresponde a países que têm energia nuclear e estão a construir/planeiam reactores e a verde aqueles que vão passar a incluir energia atómica no seu mix produtivo.

Enquanto português preocupa-me especialmente a mancha verde no Norte de África e Turquia. Estes países já fazem uma forte concorrência ao turismo nacional. Com a queda das ditaduras na África muçulmana e a previsível instauração de regimes democráticos, estas nações irão sofrer progressos económicos e tecnológicos assinaláveis na próxima década. As necessidades energéticas irão aumentar e a opção nuclear terá cada vez mais força. Com uma mão-de-obra mais barata a que se juntarão preços da electricidade mais competitivos estes países irão desafiar cada vez mais Portugal, não só no sector do turismo, como em todos os bens transaccionáveis. Só esta ameaça devia desencadear uma discussão séria e urgente sobre as opções energéticas que se têm vindo a tomar em Portugal.

Ao contrário do que se diz a energia nuclear não está à beira do fim. Pelos avanços técnicos que se estudam actualmente e pela previsão de expansão de número de reactores em funcionamento a energia nuclear está a sair da infância, a energia nuclear está só no fim do seu começo.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A viagem da tartaruga

Quando li o título desta notícia entendi que se ia montar uma catenária numa das vias da auto-estrada (AE)para permitir que carros e camiões plug-in híbridos percorressem toda a extensão desta alimentados a energia eléctrica. Como defendi noutro post deste blog, só com transporte eléctrico de consumo imediato se consegue, realística e significativamente, diminuir o o contributo dos combustíveis fósseis para a energia do sector dos transportes.

O transporte eléctrico colectivo de consumo imediato já existe (comboio, metro, eléctrico e trolley bus). O privado é, pelo menos tecnicamente, possível em AEs. Do ponto de vista económico provavelmente só o será quando os veículos plug-in híbridos antigirem uma percentagem assinalável do parque automóvel. A utilização de uma catenária (ou mesmo alimentação wireless) poderá ainda ser coordenada com uma sistema de gestão de tráfego e controlo automático dos veículos. Isto é, a condução deixa de ser responsabilidade do condutor e passa a estar centralizada no operador da AE. Isso pode tornar as AEs do futuro mais seguras, eficientes e ecológicas. Mas o que estas notícia revela é que os americanos pensam instalar postos de abastecimento eléctricos (o equivalente ao nosso Mobi.e) para que carros eléctricos como o Nissan Leaf possam percorrer grandes distâncias.

Vão existir duas formas de reabastecimento, uma rápida e cara de 30 minutos e outra lenta e mais barata de 6 horas. Os fabricantes destes veículos desaconselham os proprietários a usarem o reabastecimento rápido pois ele diminui a longevidade das baterias. Ou seja, para quem faça esta viagem regularmente e pretenda ter o seu carro eléctrico funcional durante algum tempo deverá usar o carregamento lento. E aqui é que está o problema, o Leaf, desde que não passem os 90 km/h têm uma autonomia máxima de 110km. Mais depressa e a autonomia cai a pique. Ou seja, a viajar calmamente, para percorrerem toda esta AE requerem 4 reabastecimentos.

Vamos a contas: para percorrer a distância desta AE uma família num Leaf vai precisar de 5 horas para o percurso mais 24 horas (4x6) para carregamento eléctrico. Serão 29 horas de viagem que um carro normal faz em menos de 4h. E que tal isto como progresso? Os donos dos móteis devem estar a rejubilar-se.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Dilema down under

A Austrália está preocupada com os seus níveis de libertação para a atmosfera de gases de efeito de estufa (GEE). A ponto de alguns cientistas e ambientalistas terem sugerido matar todos os camelos existentes no território, cerca de 1 milhão, e com perspectivas de aumentarem por não terem predadores. Justificam a medida pelo facto de cada um deste animais produzir anualmente 45 kg de metano (que tem o efeito de estufa equivalente a 1 ton de CO2). Na minha opinião o extermínio faz sentido se servir para equilibrar a fauna nos habitats dado que o camelo não é uma espécie nativa. Do ponto de vista ambiental, o total de 1Mt CO2-e (equivalente) emitidos pelos camelos é negligenciável face aos 600Mt CO2-e produzidos anualmente (2009) pela Austrália. 

Mix eléctrico australiano
Mais significativa, pelo menos do ponto de vista económico, foi a medida proposta pela recente primeira-ministra australiana Julia Gillard de introduzir no país uma taxa sobre GEE durante três anos e daí em diante iniciar um emission trading scheme (ETS). Já se tinha tentado anteriormente introduzir um imposto deste tipo na Austrália, país em que a população se mostra sensível às questões ambientais e de tendência anti-nuclear. Curioso porém é o facto de que ao mesmo tempo que se sugere matar todos os camelos, a pecuária que contribuiu em 2009 com 54,7 Mt CO2-e fique isenta da taxa ambiental. Infelizmente não é a única contradição australiana em assuntos ambientais. Se a criação de animais influência a emissão de GEE a maior fatia de culpa cai sobre o sector eléctrico. Por mais retórica que exista em redor desta taxa de nada ela servirá se não se mudar profundamente o paradigma de geração de electricidade no continente australiano.

Emissão de gases de efeito de estufa por fonte
Este sector foi responsável por lançar na atmosfera 206,7Mt CO2-e, 1/3 da emissão do país. A causa encontra-se rapidamente, 75% da electricidade da Austrália é gerada pela queima de carvão, altamente poluente, mesmo se o carvão australiano é de muito boa qualidade. Na segunda imagem deste post é possível ver a comparação dos gases de efeito de estufa emitidos pelas várias fontes onde pontificam o carvão e o gás natural (que vale 15% do mix eléctrico australiano).

Esta preferência prende-se com o facto de a Austrália ter enormes reservas de carvão. Este mineral tão abundante no território constitui mesmo a sua maior fonte de exportação. E a Austrália também lidera o ranking de exportadores de carvão à frente da Indonésia. Esta riqueza tem a vantagem de proporcionar aos australianos um preço de electricidade muito competitivo mas o grande inconveniente, para o resto do Mundo, de a Austrália ser o maior emissor de GEE per capita do planeta. Existirão alternativas? Naturalmente que sim.

Carbon Capture and Storage (CCS)

A Austrália podia aumentar o peso do gás natural pois tem esse recurso no seu subsolo com reservas estimadas para 81 anos. Mas isso iria melhorar, não solucionar o problema. Outra hipótese seria equipar as centrais a carvão e gás natural com captura e armazenamento de CO2 (CCS). Porém essa é uma tecnologia não totalmente dominada. E mesmo dominada pode elevar para cerca do dobro o custo de produção da central termoeléctrica. Uma das razões para tal é que existe necessidade de comprimir o dióxido de carbono capturado antes de armazenar debaixo da terra. Esse processo pode consumir cerca de 25 a 40% da energia produzida numa central a carvão. Outro problema são os riscos de fugas do CO2 armazenado no subsolo. Reconheçamos, mesmo que a industrialização do CCS venha a ser uma realidade (e a preço competitivo) não é uma solução muito elegante. Se não queremos CO2 libertado é preferível não o emitir no processo de geração eléctrica. É essa uma das vantagens das energia renováveis e nuclear.

Solar fotovoltaica

Custo de produção de MWh por fonte
Não obstante o continente australiano ter boas condições de sol e baixa densidade populacional, duas condições essenciais para instalar parques solares fotovoltaicos de baixa densidade de produção eléctrica lá, como em todos os  países do planeta, a energia solar é ruinosamente cara. Só por isso inviável como solução de energia de base. Muito dificilmente os australianos aceitariam pagar pela electricidade que consomem quatro vezes mais do que actualmente (ver quadro ao lado). Nem é preciso referir que os painéis solares têm um factor de carga em países abundantes com sol de 20% pelo que seria impossível a Austrália prescindir de centrais termoeléctricas em favor do fotovoltaico.

Hidroeléctrica

Mix produtivo fontes renováveis
Como se pode ver no primeiro quadro deste post 5% da energia eléctrica australiana provém de barragens graças ao complexo Snowy Mountains Scheme que é a maior fonte de energia renovável no país (gráfico ao lado). No entanto este complexo é único num pais árido e sem recursos hídricos para perspectivar um crescimento significativo do peso das hidroeléctricas no mix produtivo. Até no Snowy Mountains Sheme se recorre à bombagem para aumentar a capacidade de produção no rio Tumut



Eólica


Distribuição de ventos (m/s)
À partida é a eólica a fonte renovável com um futuro mais promissor no continente australiano. A Austrália tem boas condições de vento na costa sul, Tasmânia e uma parte da costa nordeste com ventos acima de 7m/s. São ventos de qualidade que garante os seus parque eólicos em funcionamento um factor de capacidade de 35%, um valor muito bom face à média mundial de 25%. Como a maior parte dos australianos vive na costa é de prever que a massificação dos parques eólicos viesse a originar, pontualmente, conflitos nas concessões de terrenos. Seguramente o turismo australiano sairia afectado com a presença de tantas turbinas na proximidade de zonas balneares. Mas o grande problema da energia eólica não é esse.

Em 2009 a Austrália produziu 266 TWh de energia eléctrica, dos quais 90%, ou 240 TWh, a partir de combustíveis fósseis. Distribuindo igualmente pelo ano isso significa que, em média, as centrais termoeléctricas do país produziram 27,4 GW ininterruptamente. Se a mesma quantidade de electricidade viesse do vento a Austrália precisaria de 78GW de potência eólica instalada. Mesmo considerando a enorme área do país favorável à produção eólica, que cobre vários fusos horários, seria impossível conseguir um equilíbrio produtivo de forma a ultrapassar a intermitência na rede. A ideia europeia de uma super rede eléctrica poderá mitigar mas jamais permitir 90% de produção eólica. Seria inevitável, numa noite de muito vento, a rede eléctrica australiana ser chamada a absorver um excesso 51 GW. E de que forma o poderia fazer, exportar como faz Portugal para Espanha? Impossível pois a Austrália está rodeada por mar. Armazenar em barragens por meio de bombagem como é também objectivo luso? Não existem rios e lagos para viabilizar esta hipótese. Só resta aos Australianos desligarem os parques eólicos da rede quando estes produzirem a mais. O problema é que a grande vantagem ambiental das turbinas eólicas (não consumir combustível) é um grande entrave económico à sua massificação. Como a energia eólica não tem custos variáveis, desligar parques eólicos da rede em alturas de sobreprodução iria implicar uma queda considerável do factor de capacidade e um agravamento do preço do kWh.

Desligar da rede os parque eólicos nas alturas de produção em excesso teria como consequência uma insuficiência de energia armazenada para dispensar à rede nas alturas de produção eólica deficitária. Ao contrário dos países europeus com excesso de potência eólica instalada a Austrália não pode depender de uma "França nuclear". A Austrália tem de ser auto-suficiente dentro das suas fronteiras. Mesmo com uma potência eólica instalada de 78GW, teria de ter sempre centrais a gás natural de reserva para alimentarem a rede quando tal fosse preciso, como acontece em Portugal. Para além dos custos associados à diminuição da eficiência das centrais termoeléctricas por não operarem na sua potência nominal essa condicionante estragava os objectivos de abandono de combustíveis fósseis. Este exercício do caso australiano serve para mostrar algo que detalharei mais noutro post e que já comentei neste. A energia eólica não serve para produção de energia de base se não for combinada com mecanismos de escoamento do excesso (barragens) e compensação da falta (central gás natural).    
 

Por não ter capacidade de armazenagem de energia eólica em barragens a descarbonização da economia Australiana só será possível com a mudança da produção energética para uma fonte isenta de emissão de GEE, competitiva no preço face aos combustíveis fósseis e sem a intermitência da eólica, a energia nuclear. Enquanto isso não acontecer a taxa ambiental de Julia Gillard terá um impacto tão profundo quanto a erradicação dos camelos. A aversão dos australianos à energia nuclear não deixa antever novidades para breve.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Utopia ecológica

Diz um curioso artigo do público que o abandono da energia nuclear na Alemanha está nas mãos de pessoas como Sascha Samadi. Isso deve ser uma preocupação, para os alemães e para todos os ambientalistas. Este investigador não só não tem a mínima noção de como se conseguirá substituir nuclear por renováveis como ainda deixa claro que a desactivação das centrais nucleares alemãs implicará a construção de novas centrais termoeléctricas e aumento de emissão de gases de efeito de estufa. E acrescenta que tal já está a acontecer neste momento “Hoje estamos a usar mais carvão e gás natural, importado da Rússia, do que no ano passado, com mais emissões de dióxido de carbono [CO2] no sector da electricidade” apesar de metade dos reactores estar a operar.

Analistas já previram que, com esta política, a Alemanha produzirá mais 380 milhões de toneladas anuais de CO2 do que os seus objectivos para 2020. Esta opção também compromete definitivamente os objectivos alemães do protocolo de Kyoto. Samadi está consciente e confessa que o abandono do nuclear na Alemanha torna "mais improvável a União Europeia adoptar uma posição mais ambiciosa, aumentando de 20 para 30 por cento as suas metas de redução do CO2 até 2020”, uma ambição da UE e, em particular, dos ambientalistas alemães.

Samadi refere que a partir de 2030 o sequestro de CO2 na indústria e nas centrais termoeléctricas permitirá baixar a emissão deste gás de efeito de estufa. Samadi não refere é que a energia nuclear emite quantidades reduzidas de CO2 e por isso não precisa de o sequestrar posteriormente. Nem refere que em 2030 já as centrais nucleares de 4ª geração estarão a gerar electricidade e estas aproveitam muito melhor o combustível que consomem e produzem muito menos resíduos. O aproveitamento é de tal ordem elevado que a escassez de combustível não se coloca, o que faz delas fontes de energia renovável.

No fundo Samadi tem razão quando defende que o futuro da produção eléctrica alemã passa por exploração de fontes renováveis. Só erra na fonte.

Quatro meses depois

Depois de alguma histeria e muita desinformação decorrentes do acidente na central de Fukushima o bom senso está a regressar ao Japão e várias personalidades ligadas ao poder central e administração pública nipónicos têm feito notar publicamente a necessidade de reactivar no breve prazo parte das 35 centrais nucleares paradas (de um total de 54) na sequência do tsunami de dia 11 de Março. A desactivação de mais de metade das centrais nucleares japonesas provocou uma escassez de energia eléctrica no país que levou ao racionamento do consumo eléctrico. A permanência desta situação ditará inevitavelmente a entrada da economia nipónica em recessão.

Mas os decisores japoneses não estão preocupados somente com o breve prazo. Vozes relevantes têm também reiterado a necessidade do país manter uma aposta de longo prazo na energia nuclear. Desta vez foi a vez do governador de Tóquio afirmar a sua importância e chegou mesmo a citar o exemplo da França, líder mundial no consumo relativo deste tipo de fonte energética. E eu acrescento, para alimentar com energias renováveis um dos países mais industrializados do mundo onde raio se iam colocar os painéis solares e as turbinas eólicas em ilhas que têm das mais elevadas densidades populacionais do planeta?

Mapa mundo de densidade populacional

domingo, 10 de julho de 2011

Guerra nos céus

A320NEO equipado com motores PW1000G
Foi no final de 2010 que a Airbus apresentou a nova geração do seu modelo Single Aisle A320 o qual foi recebido com grande desconfiança por parte dos Lessors que não perderam tempo a minimizar o potencial da nova aeronave. Obviamente a irritação dos lessors não advém das fracas capacidades do novo A320 mas da preocupação com o valor dos seus activos em termos de aeronaves de médio curso. É que, a confirmar-se o anunciado incremento de 15% na poupança de combustível e 2 toneladas na capacidade de carga, o novo A320 NEO (como é conhecido) não é só a mais recente proposta do consórcio europeu de fabrico de aeronaves. É um atestado de obsolescência quer à actual frota A320 quer à família 737NG da rival Boeing.

Apesar de apresentar algumas evoluções ao nível da fuselagem e sistemas (caso dos sharklets) a grande novidade do A320NEO (New Engine Order - que lhe dá o nome e a prometida frugalidade) advém das duas novas motorizações oferecidas, o CFM Leap-X e o Pratt & Whitney PW1000G. Mesmo contabilizando o preço superior em cerca de $8 milhões face ao actual A320 e a incógnita que será o custo de manutenção dos novos motores é inegável que, a partir de 2016 quando o NEO começar a cruzar os céus, ele se tornará um elemento diferenciador na competição entre companhias.

Sem entrar em grandes detalhes técnicos, que se encontram aqui, quer o motor americano da P&W quer o motor da joint-venture franco-americana CFM conseguem uma melhoria dos consumos optimizando o trabalho da fan (de resto a zona onde se produz a maior parte do impulso dos motores turbofan modernos) recorrendo a diferentes soluções. O PW1000G adopta uma caixa redutora no veio da fan para aperfeiçoar a velocidade de rotação desta em relação ao core do motor. Ao invés, o Leap-X incrementa o bypass ratio (relação entre o ar que passa na fan e não entra no compressor e o ar que é queimado nas câmaras de combustão) para 10:1 (cerca do dobro do actual CFM56 que equipa os A320).

Dificilmente se podia contestar o sucesso do A320NEO e a reacção inicial dos lessors só veio anunciar o forte impacto que o novo modelo teve nos meses seguintes. Só durante o Paris Air Show foram encomendados 380 unidades por parte de duas companhias low cost asiáticas o que elevou para mais de 1.000 o número de A320NEO encomendados. Estes números fazem desta a mais bem sucedida aeronave de sempredo ponto de vista comercial.

Desenho de um motor turbofan open rotor
Nem só os lessors se sentiram pressionados pelo renovado modelo europeu. Na Boeing tem reinado a completa indefinição sobre como dar resposta capaz ao A320NEO, se remotorizando o actual 737 se avançando desde já para um modelo completamente novo. Na minha opinião a empresa americana devia apostar na segunda via. Um 737 modificado nunca será competitivo face ao A320NEO (por exemplo, o 737 não tem altura para receber o CFM Leap-X sem alterações importantes no trem de proa). Para além disso, a Boeing já partirá com atraso nunca conseguindo lançar a resposta antes de 2018. É preferível apostar num modelo completamente novo com motores open rotor mais económicos (na imagem) que permitirão à Boeing retomar a liderança tecnológica e comercial no segmento Single Aisle dentro de uma década.

É inegável, numa época em que o maior custo das companhias aéreas é o combustível, o contributo que o A320 NEO terá na competitivade das mesmas. Principalmente nas low cost que fazem do preço das passagens a sua primeira aposta. Será por isso interessante saber que posição tomarão as duas principais low cost carriers europeias, Ryanair e Easyjet.

A estratégia da companhia inglesa é mais fácil de adivinhar. Por já operar o A320 é natural que progressivamente vá substituindo a actual frota pelos novos NEO. Já houve até comentários oficiais da empresa em relação à nova aeronave.

Mais interessante é a opção da Ryanair que opera exclusivamente Boeing 737-800. A empresa irlandesa costuma estar um passo à frente da concorrência e para já assinou um acordo de entendimento com os chineses da Comac que irão lançar, também em 2016, um rival do A320NEO. Conhecido por C919 e feito para rivalizar com o novo Airbus, faz-se equipar precisamente com os mesmos motores CFM e P&W do A320NEO.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Preço da electricidade na Europa

O Eurostat publicou recentemente o preço da electricidade nos países europeus e não existem muitos argumentos que se possa ter contra números. Os valores apresentados incluem impostos o que favorece naturalmente Portugal que aplica uma taxa reduzida de 6% à electricidade. Ainda assim, em PPS (purchasing power santards), que nivela o preço da electricidade pelo custo de vida do país, cada kWh consumido por um português pesa-lhe quase o dobro daquilo que custa ao francês pagar pela mesma electricidade, uma consequência clara da nossa opção pelas fontes renováveis para gerar energia eléctrica.

Seria interessante saber o resultado deste estudo da Accenture se os portugueses tivessem presente estas tabelas do Eurostat uma vez que dizem estar dispostos, no máximo, a pagar mais 5% por energias renováveis.

Eléctrico vs Diesel vs Híbrido: as contas

Nissan Leaf
Ainda não se sabe, em concreto, qual vai ser vai a posição do actual governo face à política de incentivos para a aquisição de carro eléctrico. Para o governo cessante a aposta foi forte e só não provocou danos nas contas públicas porque a recepção por parte dos portugueses foi fraca, tal como em todo o mundo. Não tenhamos ilusões, nos próximos dez anos, e dependendo da evolução do preço dos combustíveis, a penetração de carros eléctricos no mundo ficará entre o negligenciável e o minoritário. É essa a opinião dos fabricantes de automóveis que postei há uns dias atrás, mas também a conclusão deste estudo do Boston Consulting Group que, no cenário mais optimista para o eléctrico, lhe atribui uma fatia de 10% do mercado.

Atendendo à previsão, que repito, encontra consenso entre todos os agentes que se debruçam isentamente sobre o assunto, ainda é mais questionável o incentivo de que os carros eléctricos beneficiam. Isto porque num horizonte temporal útil os veículos eléctricos não vão diminuir significativamente a importação de petróleo, ou como defendi no post anterior, servir de armazém à excessiva produção de energia eólica durante a noite.

No entanto, vale a pena comparar a competitividade das três ofertas (eléctrico, diesel, híbrido) na mesma base, isto é, sem impostos. É assim que vale a pena fazer a análise porque se, inesperadamente, os eléctricos começassem a ganhar quota de mercado naturalmente o des(equilíbrio) de impostos cobrados teria de ser revista e haveria transferência de IA e ISP para os eléctricos e para a electricidade. Vou comparar três pequenos familiares usando os dados encontrados no site dos respectivos importadores.

Eléctrico: Nissan Leaf
Preço sem IVA nem incentivo: €31.000
Consumo médio (autonomia de 160km): 15 kWh/100km

Custo média da electricidade: €0,15/kWh +15% para compensar défice tarifário menos 6% (IVA) = €0,164/kWh
Custo combustível/100km: 15 x .164 = €2,45/100km


Diesel: VW Golf 1.6 TDI  
Preço antes de impostos: €18.000
Consumo médio: 4,5l/100km
Custo do diesel antes de impostos (47%): €0,731/l
Custo combustível/100km: 0,689 x 4,5 = €3,29/100km

Eléctrico vs Diesel
Diferença de preços entre os carros - €13.000
Diferença de custo de combustível - €0,84/100km
Distância para compensar híbrido - 1,5 milhões de km

Híbrido: Toyota Auris HSD
Preço antes de impostos: €19.300
Consumo médio: 4,5l/100km
Custo da gasolina antes de impostos (58%): €0,655/l
Custo combustível/100km: 0,655 x 4,5 = €2,94/100km

Eléctrico vs Híbrido
Diferença de preços entre os carros - €11.700
Diferença de custo de combustível - €0,49/100km
Distância para compensar híbrido - 2,4 milhões de km

Conclusões finais

1. Com uma distribuição equitativa de impostos, um automóvel híbrido a gasolina é, com os preços de combustíveis antes de impostos praticados actualmente, a solução mais económica.
2. Colocando a hipótese que o dono do Nissan Leaf carregasse sempre à noite (como desejam os estados que lhes dão incentivo como Portugal ou Dinamarca) mesmo com metade do custo da electricidade o cenário não mudaria muito.

3. No mundo real autonomia a autonomia do Leaf fica-se pelos 110km com baterias novas pelo que apenas pode ser considerado como alternativa a um carro convencional se for para utilização urbana.