Diagrama de fontes de radiação |
A unidade de medição de radioactividade é o Sievert (Sv) e esta, pasme-se, está por toda a parte. Nós estamos constantemente em ambientes com maior ou menor nível de radiação. Este quadro recorre a muitas fontes para catalogar e comparar eficazmente os níveis de radioactividade em diversas situações ou actividades humanas. Repare-se como comer uma banana nos expõe a 1 microSv ou fazer uma radiografia a um dente pode fazer com que o nosso corpo absorva mais 5 microSv. Para a maioria das pessoas, para além da radiação de fundo natural que absorvem por simplesmente estarem no planeta Terra (cerca de 85% do total), as sobrexposições a radiação mais comuns acontecem quando fazem um raio-x num hospital ou voam de avião. Existem profissionais que, pela natureza das actividades, estão mais sujeitos a absorver radiação, caso de pilotos de avião ou mineiros.
Outros profissionais que podem estar sujeitos a doses de radiação acima da média são os funcionários de centrais nucleares pelo que este sector tem regras de conduta muito apertadas para garantia da sua saúde. Um trabalhador de uma central nuclear é obrigado a transportar constantemente consigo um medidor cumulativo de radioactividade ou a vestir equipamento apropriado de inibição de absorção de radiação para trabalhar. Sempre que abandona o posto de trabalho, tem de passar por um medidor de radiação. Se a acusar no corpo tem de tomar tantos duches quanto forem necessários para não contaminar nada no exterior da central.
Ficou a saber-se recentemente que em Abril as autoridades japonesas estimaram que 1600 trabalhadores do complexo de 6 reactores nucleares em Fukushima Daiicho possam ter estado expostos a elevadas doses de radiação. Por elevadas doses de radiação entende-se um valor anualizado de 50 mSv (1 mSv = 1.000 microSv) que se equipara a fazer 2.500 raios-X ao peito ou 1.200 voos Lisboa-Rio de Janeiro. Este valor é reconhecido internacionalmente e é o limite imposto em vários países a trabalhadores em centrais nucleares, nomeadamente nos EUA. No Japão esta classe profissional está limitada a 100 mSv/ano que é considerada a fronteira de exposição a partir da qual pode haver aumento de risco de cancro. Em situações excepcionais, como foi o acidente que ocorreu em Fukushima Daiichi, o limite máximo permitido é de 250 mSv/ano, ou cinco vezes o limite internacional. De acordo com o artigo da TIME menos de 420 trabalhadores estiveram sujeitos a radiação acumulada superior a 50 mSv/ano e em apenas seis os medidores individuais têm um registo superior a 250 mSv/ano.Um valor elevado mas que ainda assim fica aquem dos 1.000 mSv considerados o mínimo a partir do qual é possível ter sintomas agudos por elevada exposição a radioactividade. O valor fatal é de uma ordem de grandeza superior, entre 8.000 e 10.000 mSv ou 10Sv. Não houve por isso, até agora, registo de mortes agudas como consequência da radioactividade. Dois trabalhadores morreram vítimas do tsunami e, mais recentemente, um terceiro trabalhador faleceu subitamente no seu segundo dia de trabalho na central. É muito pouco provável que, numa altura em que os níveis de radioactividade estão bastante mais baixos e estáveis, venha a falecer alguém em consequência directa de radiação absorvida. Poderá ocorrer um ligeiro acréscimo de incidência de cancro na meia dúzia de operários mais expostos. Essa evidência será, no entanto, difícil de estabelecer. Em Chernobyl que teve níveis de radioactivade muito mais elevados e mobilizou muito mais pessoas para neutralizar o reactor explodido não houve um aumento mensurável de casos de cancro atribuível ao acidente.
Neste momento o valor médio de radiação natural medido na cidade de Fukushima (a cerca de 50 km da central de Fukushima Daiicho) é de 1,26 microSv/hora o que equivale a 11 mSv num ano, como se pode verificar aqui. Este valor é cerca de quatro vezes mais elevado que a média mundial de 2,5 mSv/ano. Em Portugal estamos expostos a uma radioactividade natural média de 4 a 5 mSv/ano com certas zonas a atingirem 10 mSv/ano. Na Europa existem locais que atingem os 50 mSv/ano e o local que regista maiores medições é Ramsar no Irão com 260 mSv/ano. Daqui se afere que viver em Fukushima neste momento não é mais perigoso para a saúde do que em algumas zonas de Portugal e da Europa.
Existem pessoas cujos hábitos ou profissões as colocam em situações mais susceptíveis de apanhar radiação. Um tripulante de companhia aérea sofre uma sobrexposição de 9 mSv/ano o que permite concluir que uma hospedeira que viva em Portugal vai absorver mais radiação nos próximos doze meses do que o típico habitante vizinho da zona de exclusão da central nuclear japonesa.
Mapa com zona de exclusão de Fukushima |
Apesar do destaque que o acidente na central nuclear de Fukushima tem tido na imprensa mundial apenas duas das 25.000 vítimas do tremor de terra e tsunami que atingiu a costa leste japonesa a 11 de Março ocorreram dentro das instalações. Apesar de todos os fantasmas e de todas as bandeiras que apareceram nos últimos meses, o maior impacto que este acidente teve até agora na sociedade japonesa foi na vida dos milhares de desalojados que viviam na zona de exclusão de 20 km em redor do complexo.
Imagino alguém perguntar, então e os trabalhadores da central expostos a elevadas doses de radioactividade? Como disse atrás, pode acontecer, mas não é inevitável, verificar-se um pequeno aumento de casos de cancro nos 6 ou 10 funcionários mais expostos.
O complexo da central de Fukushima Daiichi com seis reactores nucleares de segunda geração é dos mais antigos do Japão com tecnologia e construção dos anos 70 do anterior século. E foi atingido por um tsunami de 14 metros de altura, o maior que o Japão sofreu na sua história moderna. Se os reactores fossem da actual terceira geração como o EPR da Areva ou o AP1000 da Westinghouse que tem quatro sistemas independentes de arrefecimento o acidente nunca teria ocorrido. Se a central fosse construída hoje teria meios de resistir ao tsunami. A história humana é marcada por falhas e desastres que servem de guia para futuros desenvolvimentos. É assim a tecnologia humana e a energia nuclear não foge à regra.
Mas que alternativa tem o Japão? Fontes renováveis? O conjunto de ilhas do Japão é uma ilha eléctrica ao contrário da Dinamarca. Tal como a Austrália, o Japão não tem recursos hídricos para armazenar energia eólica em grande escala. Por estas razões as centrais nucleares japonesas só podem dar lugar a centrais termoeléctricas tal como se comprova nesta notícia. Ao contrário das centrais nucleares, as centrais temoeléctricas emitem indiscriminadamente para a atmosfera gases nocivos para a saúde pública. E também radiação no caso de se usar carvão como combustível. Uma central a carvão em operação produz três vezes mais (0,3 microSv) de radiação do que uma central nuclear (0,09 microSv). Seguramente, o mais prolongado e violento impacto que Fukushima poderá ter na saúde do povo japonês é se este acidente conduzir ao fim da energia nuclear no país.